Ilustrações por @m0buh2

Para quando aquela viagem chegar

Mônica Déda
Revista Subjetiva
Published in
1 min readApr 27, 2020

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Desceu do táxi e não demorou a encontrá-la sentada de um jeito que não conhecia. Não sabia o que significava aquela forma de cruzar as pernas. Não era capaz de interpretar, ali, o que queriam dizer aqueles jeans, as mangas da camisa — duas dobras em cada — e o par de botas de couro, mesmo com todo o sol: o calor vinha de dentro pra fora e chegou repentino, enganando previsões. “Ela também”, pensou com o mesmo cuidado com que escolheu as roupas na noite anterior.

Já conhecia sua voz, as alterações de tom e humor; já sabia caminhar entre as subidas das bochechas e a ladeira do nariz em pé. Mas não de tão perto. Nunca havia percebido o tamanho de suas pernas nem aquele jeito de roer o canto das unhas. E os olhos. Nunca percebeu o tamanho deles, um mar de curiosidade feito de retina e cílios. Abriam, numa gula por sons, objetos e gargalhadas; atraídos pelas rodinhas das malas riscando a textura do chão, seu reflexo deformado pelo metal do ônibus e, finalmente, a outra mulher que caminhava em direção a eles.

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Mônica Déda
Revista Subjetiva

Conto histórias na Cora | Escrevo na @revistasubjetiva e no portal @faziapoesia | Mudo de ideia o tempo todo