Para todo mundo que ainda não chegou lá

Gabriel Martins
Revista Subjetiva
Published in
3 min readAug 27, 2020
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Quando eu era mais novo, bem mais do que eu acredito que sou hoje, eu tinha poucas expectativas. Talvez quase nenhuma. Essa história que a gente vê repetidamente sendo contada da criança que queria ser astronauta médico ou policial não se aplicou pra mim. No alto dos meus 6 anos de idade, eu não queria ou almejava ser alguém além de quem eu então já era.

Curioso isso de não querer ser quando você ainda está aprendendo a ser.

A medida que eu fui crescendo, já no colégio, entre meus amigos, eu via os planos de alguns se formando, com tal firmeza e riqueza de detalhes que me fazia questionar quando a etapa de planejamento iria começar na minha vida. Com 17 anos de idade, se alguém me perguntasse o que eu queria, eu diria que eu queria dar certo. Se alguém me questionasse onde eu me imaginava dali 10 anos, eu diria que eu gostaria de chegar lá.

Só que ninguém nunca perguntou.

E sem esse espaço para exercitar o que eu queria ou o que eu imaginava, eu construí essa máxima — que é bem generalista, pra falar a verdade — de que eu só queria dar certo e chegar lá. O que quer que “dar certo” e onde quer que “lá” seja.

Pra mim, durante a vida toda, dar certo era ter um emprego; conseguir ajudar meus pais em casa com as compras do mês que a cada mês ficavam mais caras; contribuir com a compra dos remédios que minha avó materna precisava tomar e alimentar meu consumo de música — afinal, comprar discos antigamente exigia uma certa quantia grana de sobra. E chegar lá sempre foi essa idealização de um lugar onde todas as coisas que eu postei fossem possíveis. Eu devia ter 24 anos quando eu consegui afirmar, sem um pingo de dúvida ou respiração presa, que eu tinha chegado lá e tinha dado certo.

Parece prematuro ou talvez delimitador né? Ou uma visão de alcance míope.
E talvez até seja, porque é exatamente isso, mas não é só isso.

Ter essa linha de expectativa bem clara — e simplista, vamos ser honestos! — acabou contribuindo na formação da pessoa que eu virei, em níveis que dificilmente esse texto conseguiria representar. Quando eu fiquei a vontade pra falar que eu tinha chegado lá, eu descobri que esse lugar que eu tinha trabalhado pra chegar não era mais o lugar que eu tinha imaginado. De repente, e quase que instantaneamente, eu tinha outro lugar para chegar. Era como se, silenciosamente, eu pudesse ver as barras de conclusão esvaziando e me deixando na busca desse lugar de novo. Então, estava eu com 29 anos, com a sensação de que eu ainda não tinha dado certo e não tinha chegado lá. Nessa época, eu ainda não tinha saído do armário para quem eu devia ter saído em primeiro lugar. E chegar lá, enão, virou pra mim um exercício de aceitação e de reflexão do caminho que eu segui até aqui.

Olhar para esse plano generalista, simplista (chame como quiser!) que eu tracei (in)conscientemente com 15, conquistei com 24 e contestei com 29, me fez pensar que essas ambições eram secretamente mais ambiciosas — com o perdão do uso descarado do pleonasmo— do que podem parecer ao primeiro olhar. Foi também quando eu percebi acontecendo na minha história, aquilo que a gente lê por aí, mas não acredita que seja aplicado pra gente: a jornada importa mais que o destino.

Então, se você ainda não chegou lá, e isso te incomoda além do que você consegue explicar, te deixa noites sem dormir, te tira da inércia do sofá confortável que você já quer trocar, te mete em situações de reflexão não solicitadas e inesperadas; muito provavelmente você já chegou.

Quem chegou, sabe.
Pode perguntar.

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