Peça o que você precisa

A responsabilidade de cuidar das suas necessidades pertence a você.

Tales Gubes
Revista Subjetiva
6 min readNov 22, 2017

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Já era quase meia-noite e eu estava para descer do metrô quando um pensamento me cruzou a mente. Será que meu namorado estará me esperando nas catracas? Eu havia avisado por mensagens de texto sobre meu percurso e as principais estações do caminho, então seria fácil calcular em que momento eu chegaria.

Às vezes a pedido, às vezes de surpresa, tenho o costume de aguardar pelo meu digníssimo nas catracas do metrô para caminharmos juntos até em casa. Até então, nunca havia pensado que eu também gostaria de ser esperado nas catracas. No momento em que pensei nisso, já imaginava que ele não estaria lá. Encontrei-o em casa trabalhando no computador e fiquei frustrado com a expectativa não atendida.

Seria muito fácil sugerir que ele falhou comigo, mas minha frustração teve pouco a ver com algo que ele tenha feito ou deixado de fazer. Dizer que ele falhou comigo significaria que ele seria responsável pelas minhas necessidades, algo com o que não concordo.

Se alguém “falhou” nessa história (e não gosto de pensar o comportamento humano em termos de falhas e acertos), fui eu. Apesar de saber o que gostaria para ter uma noite com mais acolhimento e carinho, eu não pedi nada, apenas me agarrei à expectativa.

Um pouco sobre sentimentos, necessidades e estratégias

Tenho sido informado pela Comunicação Não-Violenta para refletir sobre como é possível tornar a vida mais maravilhosa para todas as pessoas. Esse processo começa na consciência dos meus sentimentos e necessidades.

Os sentimentos são um sistema de alerta sobre nossa relação com o mundo. Raiva, tristeza, frustração e outros sentimentos usualmente considerados negativos servem de aviso para percebermos que algo está fora do lugar e que alguma necessidade nossa não está sendo atendida. Alegria e prazer nos permitem saber o contrário: que determinadas necessidades estão sendo bem cuidadas.

Sentimentos não são coisas a serem evitadas ou das quais devemos escapar. Pelo contrário, devem ser alvo de atenção e reflexão para que tenhamos cada vez mais consciência sobre o que eles estão a nos dizer.

Já as necessidades são aquelas coisas que não cessam em nós. Precisamos delas continuamente. Além das necessidades fisiológicas, como água, comida, descanso e ar, temos tantas outras, como conexão, carinho, reconhecimento, ordem e amor.

A forma como optamos por cuidar dessas necessidades — quer tenhamos consciência disso ou não — são as nossas estratégias. Se tenho fome, posso comer um pacote de bolachas recheadas, um sanduíche, uma fruta ou uma macarronada. Se quero carinho, posso querer que busquem no metrô, que me deem um abraço ou que fiquem três horas fazendo massagem tailandesa num quarto à luz de velas.

Muitas vezes, conflitos nascem quando pessoas se agarram às estratégias que haviam desenhado e deixam de pensar sobre as necessidades que buscam atender. Quanto mais enrijecido na estratégia que desenhei, mais difícil é lidar com mudanças ou quebras de expectativa.

(Aliás, parênteses: conflitos costumam ser lidos como coisas a serem enfrentadas e mudadas, mas eles são nada mais do que a indicação de que algo no sistema precisa ser alterado para que as pessoas envolvidas tenham vidas mais maravilhosas. Conflitos são indicadores de que alguma mudança é necessária. Eles não são ruins ou malignos em si, muito pelo contrário. O problema é que infelizmente fomos treinados para entender conflito como algo que precisa ser evitado a todo custo, seja pela sua destruição ou pela nossa fuga. Há outro caminho.)

Peça o que você precisa

Um pedido é uma forma de dizer aquilo que você está buscando para viver melhor. Idealmente, um pedido leva em consideração as necessidades de todas as pessoas envolvidas, mas já é difícil o bastante fazer pedidos baseados em nossas próprias necessidades, então comecemos por aí.

Um bom pedido tem algumas características:

  • É algo que possa ser feito, o que significa que um bom pedido jamais será para que alguém pare de fazer algo. Se entendermos que nossas ações estão sempre a serviço de atender nossas necessidades, um pedido para interromper ações equivale a pedir para parar de viver. Ademais, se pedirmos a alguém que satisfaça suas necessidades de uma maneira que cuide também das nossas necessidades, teremos aí mais chances de interações significativas que melhorem a vida de todos os envolvidos.
  • É específico, de modo a apontar um curso de ação imediato em vez de algo que precise ser interpretado. “Quero que me dê carinho” ou “por favor, me dê mais atenção” não são específicos porque há incontáveis formas de dar carinho e atenção. Mais específico seria pedir por um abraço ou para ser escutado sem interrupções.
  • Pode ser realizado imediatamente, ou seja, não é algo que se estenda ao longo do tempo. No curso de compaixão online que fiz ano passado, o facilitador ofereceu o exemplo de um não pedido: “a partir de agora, você poderia manter seu quarto limpo?”. Qual seria a possibilidade de dizer um sim comprometido com a certeza de que este pedido seria atendido para todo o sempre?
  • Refere-se às nossas necessidades. Um bom jeito de aumentar a probabilidade de que um pedido seja atendido é compartilhar quais necessidades estamos tentando atender com ele.
  • Pode ser respondido com “não”. Ouvir e aceitar o não abre espaço para que vivamos num mundo em que as pessoas agem voluntariamente, em vez de coagidas. Se só temos uma estratégia para atender à nossa necessidade, é bem possível que um não seja desestabilizador. Entretanto, se entendemos que qualquer necessidade pode ser atendida de milhares de modos diferentes, o não vira apenas uma resposta para uma estratégia, não para a nossa necessidade.

Direto do curso de compaixão online:

Cuando nuestra consciencia está en nuestra “necesidad” y no en nuestra “estrategia”, podemos escuchar un “no” sin preocuparnos de que nuestra necesidad no será satisfecha. ¿Por qué? Porque hay 10.000 maneras de satisfacer una necesidad. Esa es la liberación que podemos experimentar al tener “consciencia de necesidades”. Por ejemplo, cuando nos enfocamos en una o dos estrategias, en nuestras mentes sólo vemos esas limitadas opciones. Cuando pensamos en términos de necesidades, un mundo de oportunidades se abre para nosotros.

Estar dispuestos y dispuestas a escuchar “no” nos da la habilidad de honrar las necesidades de las otras personas mientras buscamos la satisfacción de nuestras necesidades. Piénsenlo. Todos nosotros sabemos lo que se siente cuando alguien “tiene un plan” para que nosotros hagamos algo… No es una experiencia de conexión. Y todos sabemos del dolor que implica realmente estar queriendo que alguien haga algo que posiblemente no quieran hacer… No es divertido tampoco. Los pedidos cambian todo eso.

E se for muito difícil?

Fazer pedidos é uma forma eficaz de construir relações mais significativas e com mais conexão. Mesmo assim, às vezes me pego ciente do que gostaria, mas não falo. Foi o caso do metrô, em que eu queria companhia, conversa, escuta, carinho, mas não pedi. Por alguma razão, eu estava com receio de como ouvir um não me faria sentir. Eu esqueci que poderia ser atendido em minha necessidade de milhares de outras formas e, por isso, me fechei à única que consegui imaginar.

Agora, com alguma distância do ocorrido, consigo ver que tenho muito ainda a treinar sobre minha própria visão de mundo — para deixar de ser a pessoa que diz “ontem eu queria tal coisa” e começar a ser “agora eu gostaria de tal coisa”.

Como tudo na vida, é um processo e está tudo bem. Nas próximas vezes tentarei agir melhor, com mais consciência e em busca de mais conexão. ❤

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Tales Gubes
Revista Subjetiva

Um olhar não-violento para uma vida mais livre, honesta e conectada. Criador do Ninho de Escritores, da Oficina de Carinho e do Jogo pra Vida.