Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes.

Izadora Laner
Revista Subjetiva
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1 min readFeb 24, 2021

Enquanto lia a reportagem minuciosa da revista Piauí (@revistapiaui ), sobre a violência sofrida por Dani Calabresa, veio a mim o velho pensamento lamentoso, que carregarei até o fim dos pesares: eu não denunciei. Relutei por anos para reconhecer o fardo da vítima; denunciar parecia ter passos mais dolorosos que a violação em si. O que fica depois do abuso é o estigma da mulher forte. A sociedade bate palmas e nos chama “guerreiras”, na esperança de não exigirmos a justiça que merecemos.

Depois do abuso, o caminho é tortuoso e as vezes solitário. É preciso deixar para trás alguns afetos: ouvi-los chamar de amigo a quem me privou de direitos humanos é ensurdecedor.

Essa semana me deparei com um elogio inusitado, carregado de significância ambígua. A maturidade da mulher é coroa de espinhos: fere, ao mesmo tempo em que é celebrada. Heroína? Dê voz à mulher “guerreira” e ela terá mil histórias de abuso para contar. Violentadas, nossa fortaleza é construída por pontes invisíveis aos que temem refletir, na silhueta, a carapuça vestida.

“O que mais você quer, filha, para calar a boca?”

Quero não precisar matar tudo no peito vazio, onde deveria estar preenchido de amor e respeito.

[Iza Laner]

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Izadora Laner
Revista Subjetiva

Autora do livro Entre Margaridas e Fissuras. Instagram: @aposto.literario. Blue Sky: @izalaner.bsky.social