Phoebe Buffay, o ingrediente misterioso de Friends

Esquisitices e uma dura realidade: como a cantora preferida do Central Perk é a peça chave para o sucesso da série.

Bruno Tavares
Revista Subjetiva
8 min readNov 30, 2018

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Por Bruno Tavares

Sob um olhar inicial a personagem da Phoebe em Friends pode parecer supérflua e sempre presa ao arquétipo da amiga esquisitona. As histórias principais não giram ao seu redor porque ela não namora ninguém do grupo, não possui nenhum grau de parentesco com eles e, na maior parte do tempo, mora sozinha. Por conta disso é possível entender o ponto de vista da Rachel na quinta temporada, quando a líder de torcida afirma que o amigo mais provável de se afastar seria a Phoebe.

Contudo, se a massagista fosse tirada da trama a série simplesmente não daria certo. A jovem Buffay é o ingrediente misterioso que tempera o show e sua personalidade, repleta de camadas, adiciona complexidade a inúmeras situações que não teriam graça sem ela. Por tudo isso, vamos analisar aqui o toque mágico da Phoebe que a torna tão essencial em Friends.

Phoebe — A Mestre das Marionetes

De maneira peculiar Phoebe vai se mostrando ao longo da história a verdadeira mente do grupo. Ela utiliza seus insights sobre os outros personagens para manipular cordas invisíveis em suas vidas. Essa característica, aliada à uma dificuldade em guardar segredos, se mostra uma combinação explosiva que gera inúmeros pequenos problemas para os amigos. Tal interferência, que pode causar efeitos tanto bons quanto ruins, força os demais a confrontarem seus verdadeiros sentimentos com relação aos fatos que estão vivendo.

Tomemos por exemplo o relacionamento de Monica e Chandler. A massagista foi responsável por revelar fatos que causaram discussões entre o casal como o almoço entre Monica e Richard, o desejo original da chef em dormir com Joey em Londres e a despedida de solteira da amiga que o marido desconhecia. Ao mesmo tempo, foi seu teatro sedutor que fez Chandler admitir abertamente que estava apaixonado por Mônica, levando-o a assumir o namoro.

Já no casal Geller-Green, a fala direta e ousada de Phoebe também desempenhou um papel crucial. Ela ajudou Rachel a compreender que estava apaixonada por Ross na quarta temporada e, no sexto ano da série, revelou o amor que Ross sentia por Rachel. Já no último episódio, a ligação de Buffay para Green cria o pandemônio que resulta na saída de Rachel da aeronave. Com isso, Ross tem a oportunidade de confessar seus sentimentos.

Phoebe demonstra ainda um certo prazer em instigar tais dramas na vida dos amigos apenas para observar como as coisas se desenrolam. Por conta disso, a cantora dá a entender ao público que estuda e manipula aquelas pessoas bem mais do que elas imaginam. Apesar de tudo, os problemas criados por ela são apenas superficiais pois, em profundidade, os confrontos ajudam os membros do grupo a se aproximarem do que realmente querem.

Phoebe — Uma Deusa, Uma Louca, Uma Feiticeira

A personagem se torna mais dinâmica junto às demais garotas da série quando analisada sob o arquétipo das três deusas: a donzela, a mãe e a velha. Esses moldes de figuras femininas representam momentos da vida ou personalidades distintas entre as mulheres. Seguindo essa lógica, Rachel seria a bela e inocente donzela, Monica a figura materna por excelência, sempre prática e madura, e Phoebe, a velha sábia.

Isso não quer dizer que Buffay é uma mulher idosa, apesar de vermos que sua alma já passou por várias outras encarnações, mas sim que possui uma ampla experiência e perspectiva de vida. Na maioria das vezes a massagista consegue ver as questões importantes com mais clareza que os amigos. Para o espectador, Phoebe parece estar vários passos a frente dos outros e, por isso, destaca fatos de suas vidas que eles mesmos não conseguem ver.

Phoebe — Acrescentando Substância ao Show

A experiência e o conhecimento de mundo da Phoebe vêm dos grandes traumas e tragédias do passado. Sua mãe biológica a deu para adoção, sua mãe adotiva se suicidou, seu pai fugiu, sua avó morreu e ela morou sozinha nas ruas. Em meio a tantos fatos terríveis, o show consegue fazer boas piadas e abordar estes assuntos de maneira leve. A existência pregressa da cantora torna a série mais dinâmica e evita um foco exclusivo em pessoas privilegiadas, que nunca foram expostas a uma dura realidade.

A forma da massagista em lidar com seu passado também diz muito sobre ela. Chandler por exemplo, o outro amigo com uma infância dolorosa, cresceu marcado pelo divórcio dos pais. Ao compararmos os dois é incrível perceber que Phoebe, mesmo com uma adolescência muito pior, fez escolhas conscientes para se tornar uma pessoa aberta, gentil e otimista, enquanto Bing passou a usar o humor como um instrumento de defesa para suas inseguranças. Entretanto, nem tudo são flores e Buffay reserva alguma dureza da época em que viveu nas ruas, além de ser muito apegada com seus objetos pessoais. Ainda que presentes, essas características são controladas e só afloram em momentos de maior tensão.

No episódio da realidade alternativa esses atributos se mostram mais nítidos, visto que nele Phoebe é uma mulher viciada em trabalho e controlada pela raiva. Por conta disso, inferimos simbolicamente que a Phoebs que conhecemos decidiu não endurecer por conta do que viveu, o que não foi tarefa fácil.

No campo dos relacionamentos, a cantora possui uma experiência indesejada em perder entes queridos, por isso preza tanto pela amizade. Enquanto os cinco outros protagonistas são bons uns com os outros, Phoebe é a única que auxilia indivíduos fora do círculo que conhecemos. Tal costume também é motivado por sua infância mais vulnerável que a dos demais, que fez dela uma praticante de boas ações. A garota também é uma cidadã do mundo e possui uma forte consciência social e ambiental. Várias de suas narrativas são relacionadas com a determinação de fazer do planeta um lugar melhor e incluem atos verdadeiramente altruístas, como gestar os filhos do próprio irmão ou doar o dinheiro que apareceu por engano em sua conta bancária. Para ela, fazer o bem (ainda que as vezes olhando a quem) é mais importante do que uma possível recompensa por estes atos.

Financeiramente a massagista também é uma exceção. O que vemos em Friends é um retrato do período de ascensão da classe média nos EUA. Ao longo dos anos os demais integrantes do grupo assumem trabalhos estáveis e alcançam seus ideais. Buffay, contudo, não possui uma carreira estabelecida nem demonstra grandes ambições, ao contrário, varia bastante de emprego. Ela não possui um impulso de ser líder de equipe, como Rachel e Monica, mudar de profissão, como Ross e Chandler, ou ser uma estrela de TV como o Joey.

Por tal motivo, Phoebe se mostra uma alternativa leve para a prerrogativa de que precisamos de uma trajetória bem-sucedida para vencer na vida. Na verdade, ela nos ensina que para alcançar a felicidade devemos fazer o que gostamos, mesmo que isso não nos leve necessariamente a grandes feitos.

É esse desprendimento natural que leva os outros cinco personagens a gostarem tanto da Phoebe, tornando-os mais complexos e interessantes do que possam aparentar à primeira vista. Buffay ensina seus colegas pelo exemplo e os ajuda a serem pessoas mais empáticas e de mente aberta. Ela lhes mostra a importância de cultivar valores fortes e não ligar tanto para a opinião dos outros. Por fim, a jovem instrui os demais a serem emocionalmente estáveis e maduros e a enfrentarem os desafios pessoais de cabeça erguida.

Phoebe — A Carta Coringa

Parece fácil menosprezar a Phoebe por conta de suas estranhezas e inocências, porém é um erro confundir as peculiaridades com falta de conteúdo. Ela é uma personagem cheia de camadas, nuances e contradições: apesar de ter uma persona infantil e floral pode ser rígida e teimosa. Já sua lealdade, geralmente uma coisa boa, as vezes a torna dura ou a leva a fazer escândalos desnecessários. Por isso, Buffay é uma carta coringa que sempre age de maneira diferente do esperado, surpreendendo os amigos, o público e a si mesma. Para ela, caminhar dentro do tradicional é sair da zona de conforto.

Devido a tamanhas contradições particulares não percebemos que suas necessidades comuns também requerem atenção. São os desejos inconfessos de normalidade e estabilidade que a fazem se juntar a um grupo de pessoas tão díspares. Os amigos proporcionam a Phoebe sentimentos que ela não viveu durante a maior parte da vida e por isso lhe são tão importantes.

Em outro momento, ao entrar no namoro com Mike, o primeiro a ser duradouro, ela se surpreende por ansiar uma família tradicional. Quando o pianista tira a possibilidade de casamento da jogada, ou quando eles decidem doar o dinheiro da cerimônia para a caridade, Phoebe percebe porque essa convenção social lhe é tão cara. Ela não teve uma festa de 15 anos, nenhum tipo de formatura e nem ao menos sabe andar de bicicleta. O período que viveu nas ruas a privou de inúmeras experiências e, por isso, a escolha pela realização da festa do casamento é essencial. A partir deste momento ela passa a aceitar que não há nada de errado em viver situações tradicionais. Buffay é livre para levar a vida como bem entender, portanto mescla peculiaridades e banalidades em sua existência.

A personagem passa por uma mudança irreversível justamente nesse ponto, quando aprende a ser menos dogmática a respeito de suas ideias morais e se torna mais flexível. Como ingrediente essencial para o sucesso de Friends, Phoebs é uma das razões que tornam a série tão prazerosa. A cada revisita a cantora esquisitona apresenta uma nova camada e nós, espectadores, conseguimos decifrar um pouco mais desse enigma vivo chamado Phoebe Buffay.

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Bruno Tavares
Revista Subjetiva

Um publicitário que adora viajar, seja nos livros, nos filmes ou na vida real