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Nicoly Adão
Revista Subjetiva
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2 min readMar 22, 2020
Riikka Sormunen

Ouço minha voz interior chamando, a ignorei nos últimos tempos, mas nesse instante resolvi que te darei uma chance. Talvez te escute.

Meu interior é muito inquieto, com isso quero dizer que essa voz reuniu força suficiente para silenciar todo o resto e se fazer vista. Alta o suficiente, agora ouço você. Mas não te vejo e é difícil acreditar nas coisas que não vejo. Mas te sinto e te ouço, então talvez tenha um pouco de fé.

É desagradável o que meu eu interior diz e por isso o evito. A voz só o faz porque quer que eu cresça. Até se dirige com cautela, ritualizando sermões e transformando meu amadurecimento em transmutação. Sempre evoluindo, feitiços para libertação. Desprendimento. E vou me ampliando, por dentro.

Mas agora sinto que preciso de espaço. É hora de partir daqui. partir e exercer todas as versões de mim. Sei que escrevo desordenada, sem continuidade, mas é porque as vozes se interrompem a todo tempo. Preciso educá-las.

Hoje elas estão inquietas também, sabem que é hora de partir. Não sei para onde ou se minha partida leva a algum lugar. Aliás, pensar sobre um lugar físico me parece limitante, eu almejo algo maior.

Eu quero a grande partida: a morte.

Não a morte literal, não se desespere. Me refiro a uma morte mais grandiosa, aquela que acontece ainda em vida. Já morri algumas vezes e creio que ainda terei outras dezenas de mortes em minha vida.

A morte a que me refiro é dolorosa, processual. É uma descida até o âmago, o inferno do ser e a retornar triunfante de quem se conhece o suficiente no momento e não se desespera em ser. ser. só ser.

Essa morte não me trará muitas certezas, mas me livrará do fardo de querer estar e ser certa. De agir de caso milimetricamente pensado. De coordenar coisas perfeitas. De me florear e ser adequada. Então poderei focar em ser.

E quero o retorno triunfante, voltar a viver com prazer, retornar envolta de tranquilidade e firmeza.

Quero renascer e reaprender a andar. Quero aprender a falar de novo e dizer palavras inadequadas. Me divertir com futilidade e lutar como se nunca tivesse sido desmotivada.

Que se dane ser adequada, quero me entregar a morte por completo.

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