Por que discuto com eleitores do Bolsonaro?

Talvez seja porque eu adoro alguns deles.

Victor Hugo Liporage
Revista Subjetiva
3 min readSep 10, 2018

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Fonte: Monólitos Post

Meu pai outro dia veio me perguntar:

“O que tu acha do Bolsonaro?”

A minha resposta não importa. O que tiro dessa pergunta é que, pra ele, minha opinião importa.

Meu pai é um cara bacana. Homem, hétero, negro, 50 anos, classe média, funcionário público e casado há mais de 20 anos.

Pasmem: o eleitor do Bolsonaro não é um homem branco rico racista homofóbico e misógino.

Não apenas ele.

Esse eleitor não cabe num rótulo; tem várias nuances.

Meu tio é um homem gay, negro, professor universitário e eleitor do Bolsonaro.

Só isso aí me dá o primeiro motivo pra discutir com esse tipo de eleitor: a contradição entre o papel social que representam e o desejo de votar nesse candidato.

Como assim homens negros e homens gays votam em Bolsonaro?

Ô se votam.

O que seria discutir?

Segundo o Dicio, “discutir” significa “apresentar questões acerca de alguma coisa; analisar apresentando questionamentos; examinar.”, ou então “entrar em acordo sobre alguma coisa”, dentre outros significados parecidos.

Minha primeira reação, lá em 2017, quando meu pai começou a rir do que recebia no zap sobre o Bolsonaro, foi discutir. Discutir agressivamente.

A contra reação do meu pai?

“Você acha que eu sou ignorante, mas um cara tão ignorante assim te criou”.

Meu pai sempre foi um bom pai e me ensinou valores que considero fundamentais pra ser um ser humano que trouxesse coisas positivas pro convívio em sociedade.

Esse homem me criou bem. Se existe uma coisa que devo a ele, é respeito.

E foi em função desse débito que decidi discutir com meu pai de verdade. Argumentar, mostrar suas contradições, conhecer as minhas próprias contradições e, juntos, nos entendermos sobre nossas virtudes.

Hoje em dia, ele ouve tudo que eu tenho a dizer. Respeita minha posição e entende que respeito a dele. Isso tudo o fez mudar de perspectiva.

Menos um pro “mito”.

Resultado de pesquisa “eleitores do bolsonaro” no Google

Devemos tentar convencer todos os eleitores do Bolsonaro?

Jamais. Tem gente que acumulou tanto rancor, mágoa e arrogância, que simplesmente não vale a pena.

O Bolsonaro é racista, misógino e homofóbico. Mas nem todos seus eleitores entendem a gravidade das ideologias de seu candidato. Nem todos conhecem completamente as ideologias dele. Alguns relevam e dizem ser “brincadeira”, mas com uma boa conversa, muitos começam a entender que a brincadeira sempre tem limite.

Eu, como homem branco, hétero e de classe média, gozo do privilégio de não sofrer opressões. Portanto, considero que o meu papel é ser anti racista, anti homofóbico e desconstruir cada dia mais meu machismo.

Contudo, não se pode pedir para uma pessoa negra, por exemplo, ter paciência com eleitores do Bolsonaro, pois como Frantz Fanon deixava claro, é preciso compreender que o oprimido não é obrigado a receber uma opressão passivamente.

Alguns eleitores do Bolsonaro estão definitivamente indispostos ao diálogo, e alguns de nós, que queremos ir contra essa corrente, simplesmente não têm mais força para o diálogo. Portanto, cabe aos nossos que estamos, sobretudo em posição de privilégio e conforto, nos darmos ao trabalho de debater.

Todos nós já estivemos nessa posição: ter uma verdade absoluta em mente, ou simplesmente um preconceito que não queremos superar.

Muitas vezes fomos confrontados agressivamente em função disso. A primeira reação é confrontar de volta, não se deixar abater.

É natural que a gente reaja com mais raiva ainda com quem foi agressivo conosco.

E de uma interação dessas, quase nada de positivo prospera.

Quando alguém vem armado de ideologias agressivas, normalmente o que a pessoa quer é alguém pra nutrir a agressividade dela com mais violência, seja verbal ou física.

Um bom exercício é desarmar.

Quantas pessoas que a gente adora e depois de um tempo descobriu que é fã do “mito”?

Dá um nó na cabeça, né.

O jeito é se apegar a parte daquela pessoa que nos fez sentir carinho por ela e nos esforçar, lá no fundo, pra não sacar as facas.

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