Por que estamos tão intolerantes?
"Você não precisa concordar, apenas deve respeitar, cada um tem o seu direito de voto". Essa é a frase que, devidas adaptações, tornou-se a resposta padrão dos apoiadores dele à ofensiva que sofrem nas redes sociais, nos últimos dias.
Enquanto as manifestações contrárias a Bolsonaro ganham força às vésperas da eleição e tomam caráter emergencial e enérgico, com destaque para a iniciativa exemplar das mulheres que corajosamente criaram uma página com o propósito explícito de expressar seu repúdio ao candidato (covardemente hackeada), os seus eleitores sentem-se cada vez mais oprimidos (pasmem) e agarram-se ainda mais ao seu ídolo, agora buscando em seu aconchego a democracia e a liberdade de expressão (irônico, não?).
Mas, por que estamos tão intolerantes ou, uma questão ainda mais importante, por que eles se sentem ofendidos, oprimidos com o nosso ferroroso repúdio, uma negação que transpassa de seu candidato aos ditos eleitores?
A resposta dessa segunda pergunta reside em um ponto fundamental e, aliás, passível de bastante aprendizado, que é a profundeza em que se encontra o ideal retrógrado do brasileiro médio, o qual passa, mais que nunca, a ser amplamente conhecido a partir dessa campanha presidencial. O brasileiro médio tem de fato traços racistas, machistas, homofóbicos e não sabe disso. Talvez não por sua inteira culpa.
O nosso país se formou em bases racistas, sendo o último país latino-americano a abolir a escravidão, e nunca o Estado tomou para si a responsabilidade de consolidar a cidadania negra (apenas em Lula cria-se um Ministério da Igualdade Racial, mais tarde fechado por Michel Temer). Temos desde nossa formação um viés ultraconservador, relativo a uma base religiosa imposta território adentro durante a colonização e que apresentava, até outro dia (Papa Francisco é um exemplo de personagem de mudança) um posicionamento institucionalmente homofóbico e machista, o que pesa muito na formação do comportamento do cidadão (“de bem”). O nosso país é liderado por uma elite entreguista e escravocrata, que trabalha duro não para investir no nosso território, não para buscar a igualdade social para os seus conterrâneos, mas para explorar rendimentos, esbanjar seus ganhos no exterior e ter condições de afastar territorialmente a pobreza de si, quando estão em casa. Essas são características intrínsecas ao ‘cidadão de bem’ brasileiro, aquela caricatura conhecida por quem quiser observá-la, e sua predominância numérica tende a instalar um quê de normalidade às atitudes que advém diretamente deste ideal.
Pois é. Nesse universo até parece compreensível que um pai tenha pavor de imaginar sua filha namorando um negro, ou um filho apaixonado por uma negra. Mais decepcionante ainda seria ter um filho que se descobre homossexual. Está sob essa perspectiva a aversão à visão de mulheres que se veem no direito de vestirem-se 'vulgarmente', e ao mesmo tempo na teimosia de exigir respeito. Se você vota em Bolsonaro, a chance é grande de que tenha se identificado com todo este parágrafo, e disso lhe adianto, seu medo é o alicerce do seu ódio.
Até recentemente, entretanto, fazia algum tempo desde que o ‘cidadão de bem’ não tinha ao seu alcance uma autoridade que lhes mostrasse o limite possível para a sua manifestação odiosa. Até que a esperança surgiu, um mito surgiu. Bolsonaro é o posto Ipiranga do comportamento do brasileiro médio, é o ponto de referência no qual finalmente podem se apoiar aqueles que estão, em seu íntimo, dotados do ódio, nojo de alguma natureza mas que, até outrora, percebiam-se engolidos por um mundo que parecia não mais aceitar nenhum de seus comportamentos cômodos e opressores. Sentiam-se presos no ‘Planeta do Mimimi’, dominados pela 'ditadura petista'.
Afinal, quando seu mundo começa a ruir em manifestações feministas, em gays se beijando na rua, em negros ocupando universidades, voos, repartições públicas sem cortar ou ter que alisar os cabelos, e o conforto volta quando um líder surge justificando toda a sua aversão a esse caos, usando explícitas frases de efeito sem pudor na fala, esse provedor só pode ser um mito.
O comportamento e o discurso de Bolsonaro expandem novos limites à visão do 'cidadão de bem' sobre até que ponto um ato não é criminoso e, nesse sentido, agora apenas subverte o politicamente correto, que é um conceito indigno de respeito por parte dessas pessoas e logo, facilmente superado ou ignorado. Aliás, orgulhosamente superado ou ignorado.
O interessante deste fenômeno é que os comportamentos aflorados não fazem crescer no 'cidadão de bem' a consciência de que o mesmo pratica manifestações inaceitáveis. Ele se sente livre para exercer seu ódio, e nem mesmo o reconhece. Sendo assim, estranha o constrangimento e o mal cheiro que causa aos que o enxergam como ser social e têm repúdio à sua opinião, sentindo-se ironicamente oprimido.
Dessa forma, os mesmos cidadãos que clamam e se orgulham do apoio cedido ao nobre fascista sentem-se no direito de pedir respeito à sua opção, sem a vontade de ao menos questioná-la, pois não sabem que sua decisão deflagra seu racismo, sua homofobia, seu machismo, seu fascismo. Eles não sabem que o apoio a Bolsonaro não é apenas uma 'opinião'. Pois, afinal de contas, não é digna de respeito algum a opinião de que uma mulher tem justificada sua desvalorização salarial porque engravida, ou de que a violência física pode corrigir a homossexualidade de um filho, ou de que a tortura é passível de discussão de mérito. É repugnante opinar em apoio ao candidato que se diz nacionalista, mas que presta continência à bandeira americana, um oficial do Exército Brasileiro cometendo um crime de lesa-pátria, com orgulho. É desonrado apoiar um candidato que anuncia torcida ao câncer enfrentado pela sua adversária política.
O apoio a Bolsonaro não é uma opinião, é uma escolha moral. E é uma escolha moralmente reprovável.
Dito isso, sugiro àqueles que manifestam seu apoio ao dito candidato e que, do fundo de seu coração, não se sentem identificados com as características que citei acima, que repensem seu voto e saibam que essa nossa intolerância tem razão de ser e é, diga-se de passagem, uma reação justa e proporcional, pois a visão que apoias causa mortes em massa no país.
O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBT’s no mundo. O Brasil está em 5º lugar no ranking mundial de feminicídio. No Brasil, mais de 70% das vítimas de assassinato são pretos ou pardos. Este cenário é fruto direto da generalização de pensamentos e comportamentos como os que guiam Bolsonaro.
Ao bolsominion convicto, aquele que se identifica com a figura do ‘cidadão de bem’ e que nós conhecemos e reconhecemos bem quem são, devo dizer, por outro lado: eu, e todos aqueles conscientes do retrocesso social personificado na figura desse fascista, te respeito como ser humano, e prezo pela sua integridade física mas, devo dizer, não respeito essa sua opinião. E digo mais: usufruindo de toda a minha intolerância a esse seu pensamento, afirmo com todas as letras que você está errado. Sim, você está errado. Não há meio termo para isso e nem margem para discussão que já não tenha sido superada.
Por fim, não bastasse ser um candidato moralmente repugnante, é sempre válido lembrar que Bolsonaro é um profissional inexpressivo, inútil no ramo em que atua há quase 30 anos e que, quando teve oportunidade, votou sempre contra o trabalhador. Nada fez de importante pelas bandeiras que lhe vestem. Não é um representante digno da luta contra a corrupção ou da luta pela segurança pública, tampouco um representante digno da causa nacionalista. Bolsonaro está, na verdade, longe de ser um representante do povo.
#EleNão #EleJamais