Por que Paulo Guedes e Bolsonaro não catam latinhas? Um tributo a Carolina de Jesus

Edson Amaro De Souza
Revista Subjetiva
Published in
3 min readJun 26, 2020

Gregorio Duvivier já comparou Paulo Guedes a Caco Antibes, o personagem que Miguel Falabella interpretava no programa humorístico “Sai de Baixo”, que odiava pobres. Isso foi no episódio do programa “Greg News” sobre “Renda Básica”. Paulo Guedes, em 20 de Maio, disse ser contra ampliar o auxílio emergencial de R$ 600 porque, segundo ele: “Aí ninguém trabalha porque a vida está boa”. Ministro, se os pobres não trabalharem não faltarão terrenos para que você e a família Bolsonaro capinem.

Desafio o ministro a viver um dia de catador, tal como vivia Carolina de Jesus, autora do clássico “Quarto de Despejo — Diário de Uma Favelada”. Eu tinha aqui em casa um forninho elétrico que já não funcionava e decidi tomar a decisão “ecologicamente correta”: levá-lo a um ferro-velho para que fosse reciclado. O forninho foi posto na balança e pesou 7 quilos. Em troca desses 7 quilos de metal, recebi a pequena fortuna de R$ 2,10. Nesse momento, eu entendi por que o Brasil realiza a proeza de reciclar quase 100% das latinhas de alumínio: custam tão pouco que os catadores precisam recolher muitas para conseguirem pagar por um copo de café com leite! E ainda precisam contar com a sorte de que os garis, assalariados pelas prefeituras, não tenham passado antes recolhendo o lixo. Quantos quilos de latinhas de cerveja e refrigerante são necessários para que se compre um litro de leite? E neste momento em que tantos bares e restaurantes estão fechados, em que as paradas gays foram canceladas, as festas juninas idem, fica mais difícil encontrá-las em meio à pandemia. Neste momento, os catadores catam menos e comem ainda menos.

Tenho vários amigos, um deles soropositivo, que contraíram o coronavírus e sobreviveram para contar a história, mas todos eles podem beber leite todos os dias; mesmo sem um plano de saúde, não lhes faltam feijão e arroz. Quando chegar 2021, quantos catadores ainda estarão na rua recolhendo essas latinhas? Os que sobreviverem terão mais a agradecer a igrejas e movimentos sociais que distribuem cestas básicas nesse momento crítico que ao presidente e seus ministros, mais preocupados em agradar o “centrão” (que antigamente os jornalistas chamavam de “baixo clero”) para evitar um merecido impeachment que em salvar as vidas do povo pobres.

Vejo os catadores passarem pelas ruas, com seus carrinhos cheios de latinhas e garrafas plásticas e penso que estariam melhor nutridos se tivessem se juntado às hostes do tráfico de drogas. Só por sobreviverem sem empunhar um fuzil ou entregarem entorpecentes aos muitos usuários que prefeririam dar-lhes gorjeta ao invés de subir os morros até as bocas de fumo eles já merecem uma atenção do poder público.

Da mesma maneira que os pescadores são registrados para receberem o “defeso”, a fim de que sobrevivam sem pescar nos meses em que os peixes se reproduzem, não está mais do que na hora de as prefeituras registrá-los e oferecer-lhes ao menos uma cesta básica todos os meses?

Carolina, teu livro deveria ser leitura obrigatória não apenas nas escolas, mas para todos os governantes.

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