Porque “Sex Education” da Netflix não é só mais uma série colegial

Nassor Oliveira
Revista Subjetiva
Published in
4 min readJan 25, 2019
Provavelmente você já viu um desses na sua timeline nos últimos dias.

Se você anda pelas redes sociais nos últimos dias, certamente já viu uma citação, meme, elogio ou questionamentos sobre o novo lançamento da Netflix, a série britânica Sex Education, daí você olha os atores, personagens e a príncipio parece ser “só mais uma série adolescente” lotada dos clichês que já estamos cansados de ver em produções estadunidenses com temática colegial. Mas será que é só isso mesmo?

Indo além da casca

Existe um motivo para a existência dos clichês nas narrativas: Eles funcionam e encadeiam uma série de projeções que temos sobre a realidade e os papéis das pessoas nelas, e numa lógica meio ovo e galinha, vão virando produtores e relatores da realidade, ao mesmo tempo. O que fazer então diante de uma realidade que para tantas (ou quase todas) pessoas é tão difícil ou mesmo tóxica quanto o período onde despertamos sexualmente? O que observamos até então ao longo de grande parte das produções de TV e Cinema, principalmente do Estados Unidos é uma reprodução massiva de uma convivência pautada por revanche, jogos emocionais, luta por popularidade e coação a uma vida sexual ativa.

Sex Education aparece como um excelente retrato de uma realidade encarada por tantos adolescentes, num período que exerce grande influência sobre o tipo de adulto que se torna em perspectiva: O início e o desenvolvimento da vida sexual.

O ponto forte da série são não só os temas abordados, mas a forma como são abordados: Lgbtfobia, solidariedade entre mulheres, exposição na internet, masculinidade tóxica, a inversão de papéis entre oprimido e opressor, aborto, a busca desenfreada pelo sexo como forma de validação social, entre outros temas são abordados não de uma forma extremamente “teleaula”, mas sim provocadora e empática, dialogando da mesma forma com uma pessoa que já é familiar com esses debates, assim como alguém que não tenha contato constante com essas problemáticas ou mesmo as evite.

Captura de tela: Netlix

Aqui também não vemos uma realidade idealizada, e que está longe apenas do atendimento ao que pejorativamente chamam de “politicamente correto” ou “lacração” em nenhum dos personagens: Vemos apesar de um negro numa posição de destaque como o mais popular-gostosão adotado por um casal de lésbicas, cheio de questões de auto-aceitação, vemos na mesma personagem a gênio e a problemática, vemos um adolescente negro e gay que apesar de ter sua natureza não compreendida perfeitamente pela sua família, não deixa de ser amado por isso, indo muito além do clichê “gay alívio cômico”. Enfim nada é tão simplificado, o que dá consistência para no mínimo mais 4 temporadas de desenvolvimento.

Até os personagens mais clichê-caricatos da série apresentam mais de uma camada

É engraçado também a forma como o título da série dialoga com a dinâmica dos personagens: Uma mãe especialista em bloqueio criativo que acaba tendo que revisitar tudo que julgava saber diante da sua própria relação com o filho, um filho que apesar de acumular muitas informações sobre o assunto enfrenta dilemas, a necessidade de encontrar e relacionar as raízes e as manifestações dos problemas, tudo isso mostra que a “educação” é pra todo mundo.

Para pessoas como eu, que já passaram da adolescência, fica a vontade de ter podido contar com produções mais saudáveis ao abordar a sexualidade na adolescência, não caricaturas bizarras como American Pie nem outras tantas obras que nesse período simplesmente negligenciavam a existência do sexo por ser um tabu. É preciso falar sobre sexo, para que as pessoas cada vez menos sofram por conta disso, seja por atitudes próprias, seja como reféns de pessoas que deveriam ter aprendido como lidar com as próprias sexualidades.

A amizade entre Eric e Otis flui de forma natural e sinaliza maneiras de apresentar relacionamentos saudáveis entre heterossexuais e homossexuais onde ambos estão seguros de quem são, convivem e trocam experiências (Imagem: Gq.com)

Para além do conteúdo, devemos elogiar também uma das melhores trilhas sonoras que já pude testemunhar em produções Netflix, o excelente figurino e a fotografia da série, que vão pautando uma identidade para a produção, que (porque não?) pode vir a se tornar um marco cultural dessa geração.

Sex Education educa sem apontar o dedo, mas ao mobilizar construções tão familiares a nós mesmos leva automaticamente a reflexão, sobre nós mesmos, sobre como nos colocamos no mundo, sobre formas de respeitar a existência de outras pessoas, assim como de vivenciar a nossa própria.

Se você gostou da experiência, e quer assistir mais coisas desse nível até o lançamento da 2º temporada, experimente assistir a série “Merlí” , também colegial e fora da lógica americana previsível, abordando a trajetória de um professor de filosofia provocador e a relação com seu filho, a série “Grown-ish”, contemporânea que faz um recorte racial muito importante também.

Em um futuro próximo e com mais tempo de lançada, posso fazer um texto analisando mais a fundo e com spoilers o contexto da série e seus personagens.

Obrigado por acompanhar até aqui, se gostou do texto, não esqueça de aplaudir e recomendar para amigos e amigas!

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Nassor Oliveira
Revista Subjetiva

Cientista Político I Colaborador na Revista Subjetiva e Editor na Revista Marginália. Instagram: @nassoroliveira