Primeiras impressões: HQ Eu sou Lume

Carol Vidal
Revista Subjetiva
Published in
3 min readSep 29, 2020
Montagem com a capa da HQ, que tem o desenho de uma jovem negra de cabelo rosa comprido.

Eu adoro histórias de super-heróis, tanto os filmes, quanto as HQs. Porém, por mais legais que esses personagens sejam, eles sempre me parecem longe demais. E digo isso não só pela característica fantástica das narrativas, mas por conta do contexto com a visão de mundo estadunidense. E é por isso que eu me encantei quando conheci a HQ Eu sou Lume, com roteiro e arte de PJ Kaiowá.

Lançada pela Editora Guará, a história gira em torno de Ludmila, uma jovem de 16 anos moradora da periferia do Rio de Janeiro. Ela, ao mesmo tempo em que sonha com uma carreira artística, usa seus superpoderes para fazer a diferença ao seu redor.

Só essa premissa já é muito interessante, e o que chama a atenção logo de cara é a história ser ambientada no Brasil e na periferia, tendo uma menina negra como protagonista. A obra está sendo lançada de forma seriada e, nos dois primeiros números, já é possível a imersão nesse universo com altas doses de identificação. Ludmila é uma jovem como muitas que habitam os grandes centros e enfrentam diversas batalhas diárias em uma sociedade racista, machista e com tanta desigualdade.

Quando não está atuando como super-heroína, a protagonista estuda como bolsista em um colégio de elite da cidade. Gostei muito como esse fato é usado para trazer à tona diversas discussões. Mila é tratada de forma diferente por alguns colegas, que não a enxergam como uma igual. Aliás, esse é um desafio que ela enfrenta até mesmo quando está na pele da heroína Lume. Na cena de abertura da história, ela está salvando uma família branca de ser soterrada e, mesmo à beira da morte, olham para ela com desprezo, como se não precisassem de ajuda. Todos esses são fatores que tornam a história ainda mais complexa e interessante.

Ludmila está tentando encontrar seu lugar no mundo, e isso reflete na manifestação de seus poderes. Ela ainda está aprendendo a controlá-los e sua construção como heroína está diretamente atrelada ao amadurecimento dos seus sentimentos, o que é uma bela metáfora do que significa crescer.

Todos os elementos da HQ são muito bem utilizados e, por trás da jornada da protagonista, há um contexto político e social muito importantes e que fortalece a escolha pela ambientação no Rio de Janeiro. Ludmila é sobrevivente do que ficou conhecido como Escândalo das Clínicas, quando moradores de sua comunidade morreram ou desapareceram após consultas em clínicas populares financiadas por entidades filantrópicas particulares. Há, nessa parte, uma homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco. Na vida real e na ficção, a luta dela não é esquecida.

Eu sou Lume é uma história de formação de uma jovem que toma para si a missão de levar luz a um mundo que insiste em permanecer na escuridão. Esse é aquele tipo de leitura que diverte, emociona e faz refletir, como toda boa história deve ser.

A cada mês, saiu um novo número da HQ Eu sou Lume. Ela pode ser adquirida em formato digital pelo site da Editora Guará, pela Amazon ou pela Super Comics.

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Carol Vidal
Revista Subjetiva

Carioca que mora em Salvador. Escritora e podcaster que ama cozinhar (palavras e comidas). Conheça meu trabalho: linktr.ee/carolvidal_