Quando conseguiremos definir o que é Brasil?

Resenha do livro “Passado Presente: usos do ‘passado colonial’ brasileiro”

Pedro Souza
Revista Subjetiva
3 min readJan 19, 2018

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“Fizemos a Itália, agora temos que fazer os italianos!”, essa é uma frase atribuída a um dos responsáveis pela Unificação Italiana, que se deu em 1870. Ela representa o sentimento de que quando um país nasce é necessário que se crie uma consciência coletiva, que permita a identificação de mulheres e homens a um ideário, que é o nacional. “Passado Presente: usos do ‘passado colonial’ brasileiro” é um livro que busca remontar a criação de uma memória coletiva relacionada ao Brasil, na expectativa de que se “criassem” os brasileiros.

Desde de 1822, com a Independência do Brasil de Portugal, houveram diversas tentativas de forjar uma identidade nacional. E essas tentativas são debatidas há mais de um século por diversos intelectuais. A organizadora do livro, Andrea Daher, tem como intenção fazer um debate acerca da pergunta “O que é Brasil?”, para isso ela reúne artigos de graduandos e pós-graduandos em História, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

São sete capítulos/artigos, nos quais esses estudiosos buscam decifrar as tentativas da criação de uma memória coletiva comum, que permita aos brasileiros se identificarem como tal. Seja através do estudo museológico e da autoridade por trás deles, como a criação do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), ou mesmo debruçando-se sobre as crônicas de Nelson Rodrigues, passando por Monteiro Lobato, José de Alencar, Machado de Assis, Sílvio Romero, que os autores tentam compreender os diferentes usos do passado brasileiro na expectativa de criar uma comunidade imaginada chamada Brasil.

É um livro voltado para o mundo acadêmico, acredito eu, principalmente para historiadores e literatos, desejosos de estudar a identidade brasileira e como ela foi, e está, sendo forjada. Tendo isto em mente o livro apresenta alternativas distintas sobre como podemos abordar esta problemática. Primeiro a compreensão de elementos históricos dentro de literatura. Um exemplo interessante está logo no primeiro capítulo, onde o autor Lainister Esteves aborda sobre esses elementos históricos numa literatura de horror. Como a crítica tratava a presença ou a ausência de características que criassem a identificação do leitor com o texto, principalmente de um passado comum, ou mesmo de um presente comum. A verossimilhança parecia ser um ponto fundamental na construção deste tipo específico de literatura.

Outra alternativa que o livro propõe é entender, por exemplo, a representação do indígena, numa literatura indianista brasileira. A busca pela alteridade do binômio civilizado/bárbaro, seja pelo reforço desse jogo de binômio, ou pela negação, e como o indígena insere-se neste contexto. Para além, um outro capítulo vai abordar como a memória coletiva perpassa a legitimação de um discurso: seja pelo sangue (ou seja, se ele tem um sobrenome de peso) ou pela voz do especialista, quando não, as duas categorias juntas. É interessante neste ponto, que o autor do capítulo que aborda esta temática, Rafael Zamorano, acaba por pincelar a importância histórica do IHGB na construção de uma memória coletiva brasileira.

Confesso que senti a ausência, seja dentro dos capítulos existentes, seja na criação de um próprio, em como o resgate de um passado colonial brasileiro proporcionou o apagamento da relevância histórica de figuras fundamentais. Apesar do livro abordar o indígena, não senti a crítica a uma figura estereotipada criada a partir de então. A figura do negro nem apareceu. Acredito que julgo fundamental, quando o assunto é construção de identidade, reafirmar os perigos de uma História Única, como nos traz Chimamanda Adichie. Além deste ponto, minha outra crítica é sobre a ausência, seja no fim dos capítulos, seja ao final do livro, das referências bibliográficas. Não sei qual teria sido a intenção da organizadora sobre isso, mas como acredito ser um livro voltado para o meio acadêmico, esse é um pecado de relevo. A presença das referências contribui tanto na compreensão da linha dos autores e das autoras, como também em futuras consultas que um leitor mais curioso possa realizar. Fora isso o livro tem boas abordagens, e traz luz quando buscamos responder a pergunta “O que é Brasil?”, a qual tantos outros autores, consagrados ou não, já tentaram responder.

O livro “Passado Presente: usos do ‘passado colonial’ brasileiro” pode ser adquirido na Editora Gramma clicando aqui.

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