Quando deixaremos de perder tempo em evitar a catástrofe ecológica?

Esperaremos, inertes, que a biosfera estraçalhe todas as nossas ilusões?

Felipe Moreno
Revista Subjetiva
5 min readFeb 28, 2021

--

Ainda ontem era possível dizer: “O tempo é agora; não podemos mais perdê-lo”. Hoje, com o pesar da calamidade que, dia após dia, torna o planeta mais hostil e ameaça praticamente todas as formas de vida, a constatação é de que cada minuto sem ação radical, transformadora, o preço da catástrofe é multiplicado em muitos números.

Muita coisa já foi perdida. Nas duas últimas três décadas, por exemplo, cerca 75% dos insetos voadores, os polinizadores da vida vegetal, podem ter desaparecido, desencadeando um fenômeno que cientistas chamam de “armagedom ecológico”. Em consequência do avanço dos oceanos, dentro de algumas décadas diversas cidades litorâneas ao redor do mundo poderão ficar submersas.

Sem profunda e ampla ação ecológica, o tempo se esvai como areia entre os dedos — cada vez mais veloz. Boa metáfora, aliás: a areia como figura de uma terra desertificada.

Pois bem: o amplo espectro dos movimentos e lutas sociais deve se unir em prol da militância ecológica — caso contrário, em pouco tempo, será minado pelos profundos dramas humanitários que as catástrofes ambientais podem causar.

Precisamos entender que o colapso ecológico é o maior desafio do século. Como podemos nos unir? A consciência que não desassocia — embora entenda as diferenças — entre conduta individual e coletiva é um passo significativo. Nossa participação coletiva, o confronto e a pressão que devemos exercer contra o capitalismo predatório e os governos complacentes e incentivadores da degradação da vida é, sem dúvida, o que há de mais importante a se fazer.

Também é importante acreditar que transformar nossos hábitos de consumo, nossa dieta (por isso o anticonsumismo e o veganismo no horizonte) consequentemente transformará nossa maneira de enxergar e lidar com a natureza. Assim, nos tornaremos seres mais comprometidos com o mundo, mais éticos e conscientes.

Devemos aprender a estar fortes e saudáveis, física e mentalmente. Para isso, o corpo é nosso único instrumento. Resiliência e inteligência emocional são tão importantes quanto nossa consciência e engajamento político (na verdade, nossa efetiva consciência e engajamento político dependem da nossa resiliência e inteligência emocional). Orientações e discursos devem estar harmonizados com nossos hábitos. O corpo produz um saber tão valioso quanto a razão. A toda essa convergência de forças — do individual que se funde com o coletivo, da teoria que se integra com a prática, da ideia em consonância com o hábito, enfim, de uma presença no mundo com o corpo inteiro — damos o nome de práxis ecológica.

Rumos radicais

Esta mensagem é, sim, um choque de realidade, pois é, para além da informação do que acontece e pode acontecer, um chamado à mobilização. Desentranharmos de onde estamos para nos enraizarmos, novamente, onde nunca deveríamos ter saído — na terra, na Terra, o único lugar possível.

Além do mais, tudo o que está sendo e será dito aqui não peca pelo excesso — tampouco pela prudência: é a crua realidade. Não à toa, o jornalista David Wallace-Wells, autor de A terra inabitável: uma história do futuro, a fim de desmistificar a ideia de que as mudanças climáticas caminham lentamente e estão distantes de nós, começa o livro com a seguinte frase: “É pior, muito pior do que você imagina”.

Portanto, ou nos levantamos e nos unimos, forte e decididamente, para ajudarmos a mudar os rumos do planeta, ou nos mantemos na ilusão da amenidade, da distância, da indiferença, da inércia e esperamos que, daqui a poucos anos, e cada vez mais, a biosfera estraçalhe nossas ilusões: seremos sobreviventes numa Terra arrasada.

A crise da cultura adverte a necessidade de outros rumos, rumos radicais. Embora reminiscentes, em constante luta por sobrevivência, há visões de mundo e modos de vida atuais que muito podem nos ensinar a como bem viver e habitar este planeta magnífico. Estas visões de mundo e modos de vida, definitivamente, não vêm da nossa cultura hegemônica, eurocêntrica. Mas, com certeza, resistem na alma e na tradição dos povos da floresta. Que saibamos aprender com eles.

Sem tempo

A editora Casatrês — edições manuais e outras gambiarras (mantida por mim, Felipe Moreno, e Marília D. Jacques), a Cantina do Duds (perfil de conteúdo político, fomentado por Eduardo Possa e Luana Adriano), o multiartista novíssimo Edgar e o artista visual João Pedro Borges se uniram para criar o Zine sem tempo, publicação independente, artesanal, sobre o colapso ambiental e práticas ecológicas, com introdução ao veganismo, à permacultura e à agrofloresta.

Para concretizar o projeto, estamos promovendo uma campanha de financiamento coletivo, que funciona como uma pré-venda dos livretos. Na verdade, trata-se de um kit: além dos três livretos, três lambes, com mensagens políticas, e um pacote com sementes orgânicas. Quem colabora com R$ 25,00 leva o kit como recompensa. Quem puder colaborar com mais tem a opção de ajudar na distribuição gratuita dos livretos para aqueles que não podem pagar.

Nossa campanha segue forte, mas ainda precisamos da colaboração de muitas pessoas.

(Financiamento coletivo Zine sem tempo: benfeitoria.com/zinesemtempo)

Já não queremos sofrer com as consequências de um único minuto perdido.

“Sem tempo” porque o ponteiro do relógio da catástrofe ambiental está nos vencendo: o planeta já está 1ºC mais quente — e isso explica alguns fenômenos recentes, todos recordes, como incêndios florestais, furacões e estiagens; ecossistemas amazônicos valiosíssimos já foram destruídos; centenas de espécies de animais já foram extintas ou entraram em risco de extinção.

“Sem tempo” porque mais acúmulo de tempo perdido significa danos irreparáveis, nunca vistos pela nossa espécie.

“Sem tempo” porque nossa força e mobilização não podem se dispersar e se distrair.

“Sem tempo” agora, para que a velocidade e a eficiência das nossas ações permitam, no futuro, o resgate de um tempo sem urgência. Permitam que a vida não desapareça.

--

--

Felipe Moreno
Revista Subjetiva

Haicaísta com ternura, prosador com afiação (e vice-versa). Autor de “o bambu balança” (Bestiário, 2022): https://tinyurl.com/36r2kc4j