Quando o espelho machuca e porque muitos lucram com a sua baixa autoestima

Jóice Bruxel
Revista Subjetiva
Published in
8 min readJul 12, 2017

“Você está muito magra, deveria engordar um pouco, seu rosto parece uma caveira, parece estar doente. Você está doente? Quem gosta de osso é cachorro”.

– “Você é tão bonita de rosto, por que não emagrece? Tem que se cuidar, fechar a boca. Só não emagrece quem tem preguiça e não quer. Já pensou em fazer bariátrica? Ou tomar óleo de coco? Tenho uma amiga que perdeu 10 kg em uma semana comendo normal e tomando óleo de coco, guria! Juro!”

– “Por que você está tão forte? É muita bomba, né? Malha as pernas também, você está parecendo um funil.”

– “Você é tão magro que parece um frango. Acho que você deveria puxar um ferro de vez em quando.”

– “Nossa, você quase não tem peito. Por que não coloca silicone? Hoje em dia, ‘quase todo mundo tem’. Nenhum decote fica bom se você não tem peito”.

– “Você é muito peituda! Imagina quando você tiver filhos… Já pensou em fazer redução das mamas? Dá problema na coluna, hein… E fica vulgar usar qualquer decote, chama muito a atenção”.

– “Por que você não corta um pouco o seu cabelo? Cabelo até a cintura não está mais na moda, tem que cortar um pouco. Porque sim”.

– “Por que você não deixa o seu cabelo crescer? Fica mais feminino, você está parecendo um homem”.

“Acho que você envelheceu um pouco depois de escurecer o cabelo. Cabelo escuro envelhece, sabia?”.

– “Ahhhh, mas cabelo loiro platinado tem que cuidar muito, se eu fosse você, deixaria a cor natural, que é bem mais bonita. Aliás, o seu cabelo está estranho, já viu que ele está cinza? Parece o cabelo da minha vó…”.

– “Mulher, o teu cabelo é muito volumoso, já pensou em fazer uma progressiva? Acho que combina mais contigo”.

– “Teu cabelo é liso natural, né? Você não enjoa dele assim, tão ‘escorrido’? Joga ele pro lado, ou passa um xampu a seco pra dar um volumão, sabe? Repartido ao meio eu acho muito anos 90. Mais volumoso fica mais mulherão. Combina mais com você”.

P.S.: Todas as falas acima são verdadeiras. Algumas foram direcionadas a mim, e outras, a pessoas próximas e de meu convívio pessoal.

E você? Em qual dessas posições você se reconhece? Em qual delas você se encaixa? Qual dessas falas você já replicou ou já ouviu?

Você se sente pressionado para “chegar lá” e alcançar um padrão de beleza totalmente irreal e equivocado ou você se sente bem na sua própria pele? Sempre foi assim? Como foi a sua trajetória e o decorrer do caminho, até aqui?

Como você se sente na frente do espelho, hoje?

Sobre o padrão irreal da beleza — um modo silencioso de destruição em massa

Os padrões de beleza foram construídos, reforçados e modificados, e provavelmente continuarão sendo, mesmo que nós não estejamos mais aqui para comprovar tal fato e tais mudanças.

O padrão de beleza estipulado e tão almejado atinge uma parcela mínima da população, ou praticamente ninguém. Porque mesmo as mulheres (e homens) que nós consideramos ideais ou superestimamos, na verdade, vendem uma imagem de perfeição. Uma imagem criada, manipulada, “photoshopada”, maquiada, modificada, forjada.

De perto, no dia a dia, nu e cru, ninguém é perfeito. Mas sim, o ideal de perfeição precisa ser criado, e mais ainda, ele precisa ser inalcançável, inatingível.

Porque enquanto você estiver no processo, buscando, se sentindo feio, se inferiorizando, a indústria permanecerá lucrando.

A indústria precisa fazer você se sentir um lixo, pra te vender a “solução”. Um novo procedimento cirúrgico, uma nova dieta com pílulas mágicas que “derretem a gordura”, cremes e procedimentos estéticos caríssimos, medicamentos que deixam os seus cabelos e as suas unhas mais bonitas, novas tinturas e técnicas capilares, etc.

O problema não é ser adepto aos procedimentos, devemos nos cuidar e nos sentir bonitos (e acima de tudo, ser saudáveis) — o problema, a meu ver, reside em nos tornarmos refém deles.

Quando você se torna refém, você deixa de ser quem você é, para se tornar uma ilusão do que você jamais será.

A destruição, nesse caso, é a da autoestima. Do olhar amoroso consigo mesmo. Do reconhecimento das próprias qualidades.

É como estivesse estabelecido de uma forma implícita, que você só será bonito quando chegar a um lugar que você fantasiou. Mas esse lugar, na verdade, não existe. Porque você sempre vai querer mais.

Você pode ter crises de choro na hora de sair de casa ou achar que nenhuma roupa fica bem em você. Você pode se odiar, pode ter ter vontade de cavar um buraco, se enfiar dentro, e permanecer ali por horas.

Pode olhar pra uma pessoa e desejar ter o cabelo igual ao dela, mas não fazer ideia de que tudo o que ela gostaria de ter são olhos iguais aos seus.

Sendo um pouco mais drástica, você pode se punir, se sentir um fracasso, ser abusivo(a) consigo mesmo(a). Pode querer fugir, se esconder, pelo simples fato de não se sentir bem na própria pele, ou não se reconhecer em seu próprio corpo.

Aliás, você consegue perceber como as coisas já passaram do limite? Nós já aceitamos isso como “normal”, afinal, que mulher nunca teve uma crise existencial por causa da insatisfação da aparência, na hora de sair de casa? Eu já, diversas vezes. Mas não, não é normal e não está certo. Só porque muitas pessoas replicam esse tipo de comportamento, não significa que esteja certo.

Nunca será certo (e nem normal) odiar ou menosprezar a si mesmo. Em nenhuma circunstância.

Enfim, existem muitas variáveis do que pode acontecer. Assim como você também pode despertar e decidir se amar e se aceitar, do seu jeito, da sua forma, com o seu corpo.

E isso não significa que você não pode querer mudar o que lhe gera insatisfação, mas o processo de mudança precisa ser um processo de amor consigo e por si mesmo, e não de ódio.

Muitas vezes o percurso é mais importante do que o próprio resultado.

Em um mundo que tenta te colocar pra baixo, gostar de si mesmo é um ato de revolução!

Conheço muitas mulheres, e conheci muitas ao longo da minha vida, e nunca ouvi uma mulher dizer que está totalmente satisfeita consigo mesma, ou melhor, com a sua aparência.

Conheci mulheres lindas, de baixa autoestima, que detestavam a sua aparência; assim como conheci outras nem tão bonitas assim, que se sentiam muito seguras e tinham a autoestima quase nas nuvens.

P.S.: Estou falando sobre mulheres pelo simples fato de ser mulher, com os homens não é diferente, apesar de geralmente lidarem de uma forma menos “neurótica” com a aparência.

É claro que existem os homens metrossexuais e super vaidosos, mas a diferença na quantidade de produtos cosméticos e de procedimentos estéticos, ainda é grande, de um modo geral.

Mas o que eu quero dizer com isso é: a autoestima, relacionada à nossa aparência, não tem nada a ver com o que os outros enxergam ou pensam de nós, tem a ver com o que nós vemos e como nos enxergamos e nos posicionamos, frente a nós mesmos, e perante o mundo que nos rodeia.

Em outras palavras, uma pessoa considerada “muito bonita”, por exemplo, pela maioria das pessoas, não necessariamente terá a autoestima alta. O que vai definir é a forma como ela mesma se vê. Da forma que ela se vê. Porque ela pode não conseguir enxergar a própria beleza, por mais que os outros a vejam.

Então, a partir do momento em que nós reconhecemos quem somos, como somos, e conseguimos ver em nós qualidades, pontos positivos, e beleza, nos tornamos menos manipuláveis. Da mídia, das opiniões alheias, do externo, em geral.

Se você está bem consigo mesmo, as coisas externas deixam de ter tanto impacto.

Ser consciente do mundo que nos cerca, da indústria, da mídia, da moda, bem como das suas intenções, nos permite entender que a realidade do “esteticamente ideal” em que vivemos, de real não tem nada.

Você quer fazer diferente e ser verdadeiramente, um(a) revolucionário(a)? Comece por você mesmo. Pela imagem que você reflete e vê refletida no espelho. Na mudança do seu olhar e no julgamento sobre si mesmo.

Você é bonito(a)! Aceite!

Não importa quem você é, como você é, ou como você gostaria de ser. Você não precisa brilhar. Esqueça o SE (se eu emagrecesse, se eu engordasse, se eu fosse mais alto, se eu fosse mais baixo, se eu não fosse calvo, se eu isso, se eu aquilo), eles não representam como você é (ou como você está) hoje.

Aliás, como você reage a um elogio? Aceite! Pare de se colocar tão pra baixo!

Você é bonito(a), admirável, charmoso(a), hoje! Não coloque metas para se sentir bem! Decida se sentir bem agora!

Você pode ter metas sim, mas de uma forma sadia. Se você conseguir se olhar com amor ao invés de se culpar, se punir e se menosprezar, o caminho percorrido será muito mais leve e prazeroso.

Eu sei que não é fácil, eu também tenho as minhas crises, mas hoje consigo reconhecer as minhas qualidades a e a minha beleza, independente dos meus defeitos ou do que eu ainda posso melhorar.

Hoje eu consigo aceitar que eu jamais serei perfeita, mesmo que de vez em quando, essa convicção ainda me frustre um pouco.

Mas acredite em mim — eu já lutei por um padrão inalcançável e eu só me machuquei por não conseguir chegar lá.

Amor próprio vale mais a pena, é mais recompensador, e é real.

No final das contas, tudo tem a ver com quem você é. Se você estiver bem consigo, mesmo que você não seja o Brad Pitt ou a Angelina Jolie, a sua imagem refletirá a sua beleza.

Vai dizer que você nunca conheceu uma pessoa que considerou lindo(a) e por sua personalidade feia, deixou de achá-la bonita? Ou então conheceu uma pessoa que você considerava feia, mas por ser gente boa, querida, amável, passou a achá-la bonita e encantadora?

A nossa imagem é muito mais do que atributos físicos.

Conclusão

O padrão de beleza tão pregado e reforçado foi construído e alimentado para que você seja infinitamente insatisfeito consigo mesmo.

A indústria lucra com a sua insegurança e sua baixa autoestima.

Não seja mais refém! Desperte e ame-se!

Você é belo(a)!

Jóice Bruxel
Psicóloga CRP-12/15179
http://joicebruxel.com.br
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Jóice Bruxel
Revista Subjetiva

Psicóloga e escritora. Amante do frio, de pimentas, gatos e seres humanos. http://joicebruxel.com.br :)