Quando o racismo estrutural não é justificativa

Nassor Oliveira
Revista Subjetiva
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3 min readMay 5, 2020
Fonte: Ella Byworth para Metro.co.uk

“[…] pensar o racismo como parte da estrutura não retira a responsabilidade individual sobre a prática de condutas racistas e não é um álibi para racistas. Pelo contrário: entender que o racismo é estrutural, e não um ato isolado de um indivíduo ou de um grupo, nos torna ainda mais responsáveis pelo combate ao racismo e aos racistas.”

— Silvio Luiz de Almeida em O que é racismo estrutural?

Em tempos de cultura do cancelamento, discussões acaloradas a partir de atitudes racistas de figuras públicas, uma carta frequentemente colocada em disputa é a justificativa e pedido para que tenhamos paciência com os protagonistas das ações por conta do dito “racismo estrutural”. Muito parece que quase tudo passou a ser tolerado com a justificativa de que a pessoa veio de um local onde a informação não seria acessível ou que pelas características abrangentes dessa forma de racismo deveríamos ter mais paciência com quem perpetua estas ações.

Temos um certo consenso do que seja compreendido como racismo, e ele não se manifesta apenas através da injúria (exemplos clássicos de quando torcidas chamam jogadores de “macaco”, xingamentos e afins) se manifesta como processo histórico que desde os tempos de escravidão coloca negros e negras em posição de inferioridade, seja por meio de limitação de acesso a oportunidades, constrangimentos na esfera pública e privada, que impactam desde as condições básicas de vida, até questões de representação, que vão desde as casas legislativas e cargos no poder executivo, até quantidade de participantes em reality show.

Frequentemente o racismo estrutural é colocado como justificativa para atitudes interpretadas como racistas, numa espécie de carta branca para que brancos e brancas pratiquem racismo e em sua defesa se coloquem como apenas “reprodutores” involuntários de uma dinâmica estrutural maior que eles, quando na verdade são produtores:

Fonte: Exibição Twitter.com

Homens não reproduzem machismo, praticam-o, homofóbicos não reproduzem homofobia, praticam-na, com o racismo não é diferente. Pedir desculpas publicamente é o mínimo a ser feito, e responsabilizar é diferente de linchar. A coerção ou constrangimento social é vista na sociologia, como um dos pilares da manutenção da moral coletiva e dos padrões de comportamento, sendo assim, o que enxergamos como desviante de acordo com a sociedade ideal e livre de discriminação deve ser sim publicamente repreendido.

Karl Marx afirma que os homens fazem sua própria história, mas sob escolhas legadas e transmitidas do passado, enquanto autores como Anthony Giddens numa discussão que envolve as noções de ação e estrutura, discute o fato de que ao mesmo tempo que as ações são produto da história e estrutura que as antecederam, são também produtoras da história e realidade que se vivencia e que produzirão as estruturas da realidade do futuro.

Fonte: highlightercc

Todas as ações, omissões, restrições e agressões contextualizadas pelo racismo estrutural não devem servir como impeditivas para a transformação, mas pelo contrário, motivadoras de ações em todas as frentes onde se dão as opressões, de combate, conscientização e afirmação da nova realidade que se pretende construir. Somos resultados e cocriadores de estruturas, as opressões não são “culpa” de nossa geração, já estavam e existiam antes de nós, mas o seu combate é RESPONSABILIDADE de todos e todas.

Referências

Silvio Almeida (2019). Racismo Estrutural. [S.l.]: Pólen Livros. p. 46.

MARX, Karl. (1974). O 18 brumário e Cartas a Kugelman. Rio de janeiro: Paz e Terra

GIDDENS, Anthony. (1979). Central problems in social theory. Londres: Macmillan.

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Nassor Oliveira
Revista Subjetiva

Cientista Político I Colaborador na Revista Subjetiva e Editor na Revista Marginália. Instagram: @nassoroliveira