Quem está com você nas trincheiras?

Carolina Bataier
Revista Subjetiva
Published in
4 min readOct 23, 2018

Um colega, no trabalho, comentou sobre a dificuldade de se argumentar com alguns eleitores do Bolsonaro. “Já tentou pessoalmente?”, me questionou. E eu percebi que, fora da internet, não convivo com nenhum eleitor do candidato. Não considero saudável viver dentro de uma bolha ideológica mas, neste caso, não é só uma questão de divergência política. É o modo como, felizmente, minha vida se desenhou. Meu posicionamento com relação à vida foi naturalmente afastando a intolerância. Ao meu lado, não cabe o preconceito. Nunca poupei palavras para explicar aos desinformados o perigo do discurso de ódio.

Eu sei que nem todo eleitor do Bolsonaro concorda com as opiniões do candidato sobre temas delicados. Muitas pessoas sequer sabem que Bolsonaro defende a prática da tortura, por exemplo. Outros tantos, perdidos na enxurrada de informações da internet, foram convencidos de que é mentira tudo o que falamos sobre o perigo que Bolsonaro representa para a democracia e para determinados grupos sociais. Ele não é machista, dizem, ignorando que o machismo não está somente na covardia do homem que espanca a mulher. Lembrem: o perigo vive nas entrelinhas dos discursos e, neste caso, na ausência de figuras femininas em momentos e ambientes de poder.

Uma pesquisa mostra o incômodo dado: apenas 8% dos brasileiros têm domínio da interpretação de texto. Outro estudo sugere que pessoas que leem ficção são mais empáticas, ou seja: têm mais capacidade de se colocar no lugar do outro. Então, se não lemos ou não compreendemos o que lemos e ignoramos fatos históricos, não é difícil interpretar que a tortura possa ser, em alguns casos, uma possibilidade. A falta de conhecimento, somada à ausência de empatia mais a cultura do medo — porque os telejornais populares berram que o perigo está em todo canto — resultam numa cultura onde é aceitável torturar ou matar para preservar a segurança.

Outras, muitos, escolhem o voto movidos pela desilusão. A promessa de novidade é tentadora. Pena que a novidade é só um verniz lustrando um velho pau-de-arara. Sem meias palavras: o risco de repressão a quem pensa diferente, neste momento, é grande. E talvez seja esse o ponto do conflito: há pessoas felizes com a possibilidade de repressão às diferenças. Os casos de violência registrados após o fim do primeiro turno evidenciam isso.

São inúmeros os relatos de homossexuais ameaçados com frases como: Bolsonaro vai acabar com gente do seu tipo. Uma amiga, casada com uma mulher, recebeu a mensagem: não vejo a hora de Bolsonaro ser eleito para gente como você não ter mais direito a nada.

Então, excluindo os mal informados e desiludidos, sobram os que cresceram com a certeza de merecer mais. Pessoas cuja experiência de vida mesquinha os faz acreditar que todas as outras formas de existência devem ser reprimidas ou aniquiladas. Homens que, ao cruzar comigo nas ruas, acreditam que devo abaixar a cabeça ou responder com sorriso às suas investidas quando cortam meu caminho. Homens cuja crença na superioridade mesclada à fragilidade do próprio ego os concede o direito de agredir verbalmente homossexuais. Homens que escolhem duvidar da história e acreditar na superioridade da cor da própria pele.

E, felizmente, nenhum desses divide comigo a mesa do bar. Nenhum deles me abraçou quando chorei, nenhuma dessas pessoas vai segurar a minha mão nos momentos difíceis e nenhum deles vai me parabenizar pelas minhas realizações. Criei ao meu redor uma corrente de proteção formada por pessoas preocupadas com o bem-estar do outro, com o fortalecimento dos laços, com a liberdade de ser quem desejamos. São pessoas de todas as cores, orientações sexuais, crenças e profissões e, entre eles, homens brancos heterossexuais que poderiam centrar-se em suas vidas e fechar os olhos para os riscos que corro enquanto mulher, mas eles não fecham. Eles me abraçam.

São dias de incertezas, de gritos de ódio ganhando as ruas e dos nossos direitos e liberdade colocados na corda bamba. Nestes dias, receber o apoio de gente que luta comigo e de gente que nunca precisaria assumir esta luta mas escolheu estar conosco me faz perceber que existe algo maior em jogo. Não é política, é humanidade.

Nestes tempos de fortalecer laços, tenho lembrado de Hemingway:

“Quem estará nas trincheiras ao teu lado?” “E isso importa?” “Mais do que a própria guerra”.

Na minha trincheira tem respeito, diversidade, força e amor. E as nossas armas, suaves e alegres, são também o motivo da guerra. Pode vir. A gente aguenta.

Carolina é autora do livro de crônicas O pôr do sol dos astronautas. Para comprar, você pode clicar aqui.

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