Quem limpou o Capitólio?

Fabiola Christovão
Revista Subjetiva
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2 min readJan 13, 2021
Divulgação

Como boa curiosa, acompanhei ao vivo o discurso de Trump aos seus delirantes apoiadores no dia seis, dia em que a vitória de Biden seria certificada. Para mim estava nítido que Trump havia dito à multidão que marchasse em direção ao Capitólio, mas não imaginei a invasão, tampouco que uma manifestação não tivesse policiamento, cercas de segurança etc.

Passado o tempo do discurso, ligo a TV e vejo uma cena marcante: pessoas brancas, algumas armadas, nas escadas do Congresso dos EUA. Percebo que há algo errado naquela cena, faltava alguma coisa, acho que meu cérebro não conseguiu conceber a ideia de haver uma multidão tranquila nas escadas do Congresso, pois só havia visto policiais fortemente armados quando da manifestação do Black Lives Matter.

Então, entendo: não há negros suficientes. Não é todo mundo que pode invadir o Congresso, sentar na cadeira da Nancy Pelosi e ler seus e-mails, lutar com os policiais dentro do Congresso, ostentar armas, quebrar tudo o que vê pela frente e sair ileso. Assim como faço agora, a mídia, e até o próprio presidente eleito Biden — mas não nos enganemos da posição –, destacaram a diferença de tratamento dada aos manifestantes do BLM (Black Lives Matter) e aos delirantes supremacistas brancos.

Bom que o público conseguiu (agora) perceber a diferença de tratamento que já é grito de protesto há muito, muito tempo. Mas poucos conseguiram se atentar para o fato de que alguém teria que limpar a devastação deixada pelos adoradores de Trump. As imagens de homens negros — que provavelmente tiveram que se proteger da invasão — limpando a sujeira dos supremacistas brancos são devastadoras. Imagina ter que limpar a sujeira de quem não te considera gente, de quem quer a sua morte, ou antes, o seu extermínio. A cena pesou na alma. Ilustração pesada do racismo.

Dói, mas não é dor física. É uma dor impressa na alma, que puxa para outros tempos. Foi inevitável não lembrar uma canção composta por Gilberto Gil intitulada “A Mão da Limpeza”, na qual diz:

Negra é a vida consumida ao pé do fogão

Negra é a mão

Nos preparando a mesa

Limpando as manchas do mundo com água e sabão

Negra é a mão

De imaculada nobreza

Na verdade a mão escrava

Passava a vida limpando

O que o branco sujava, ê

Imagina só

O que o branco sujava, ê

Eta branco sujão”

Quem limpa a sujeira do mundo, sujeira perpetrada por séculos, somos nós. Tentam nos equiparar e reduzir a sujeira, mas quem de fato é não somos nós.

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Fabiola Christovão
Revista Subjetiva

/ Escrevo para organizar o caos. / - Graduada em Administração - Tradutora Audiovisual - Negra - Curiosa - IG: fabiolachristovao