Reparos de Emergência

Sobre calabouços emocionais.

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Um envelope azul circulava por um centro de distribuição de uma companhia de entrega de correspondências.

Em um mar de envelopes na cor branca e bege, o incomum azul se destacou de tal modo que o funcionário responsável pela catalogação e despacho das encomendas priorizou sua separação por puro capricho.

Aquela carta era urgente e um aliado era tudo que aquele plano precisava.

Após coletar as correspondências na guarita, ele seguiu para as escadas de emergência e começou a vasculhar as cartas que recebera.

Então seus olhos caíram naquele envelope azul instantaneamente.

Ele abriu a carta e achou prudente se sentar nos degraus quando entendeu do que se tratava:

Resolvi te escrever quando soube que um plano ardiloso estava em vias de se concretizar, então há uma chance de eu ter chego um pouco depois do ato maligno já ter lhe afetado.

Há dias que respiro o mesmo ar que você e estamos mais perto do que você imagina, contudo, ainda não encontrei uma maneira física de te abordar e por isso te escrevi.

Ele reapareceu feito uma Fênix ressurgida da cinzas, não é?

Imagino que aquele sentimento de o ter superado já estava quase completo, entretanto, o sujeito chegou no último segundo, deu sinal de vida e trouxe falsas esperanças consigo.

Penso que ele sumiu de novo, mas segue te acompanhando com olhos virtuais por aí, não é mesmo?

Ele não fala, não te toca, não chega junto, mas, dentro das possíveis virtualidades, o tal indivíduo te chacoalha violentamente toda vez que dá o ar da graça.

Pois bem, vim te avisar que ele fará de novo nas próximas horas.

Será um comentário, uma reação ou uma mensagem… ele não irá permitir que você o esqueça.

É tudo parte de um grande plano oblíquo onde ele irá sempre incitar um sentimento, um desejo, um tesão ou uma felicidade e te abandonará assim que você subir a bordo.

Não se engane, são meros reparos de emergência… um joguinho emocional mal feito para que você se incapacite de seguir adiante.

É como se ele sentisse que está perdendo poder sobre você e, de modo bem bizarro e assertivo, reaparecesse em momentos muito convenientes.

Eu sei que o sentimento ai dentro é forte e que o papo com ele te transporta para uma dimensão menos caótico e mais vívida, porém, me sinto numa posição desconfortável de te fazer ver aquilo que o seu coração despreza.

Essa carta é uma tentativa de te alertar do perigo iminente, aquele que ocorre com o nosso consentimento.

O problema não é se jogar e sim não olhar para baixo antes de pular… pode não haver nada (e suspeito que não haverá nada se depender dele).

Você merece mais do que migalhas ou reparos emergenciais propositalmente feitos para te machucar.

Creio que seja hora de dar um passo rumo a você mesmo e, por consequência, caminhar para longe de quem não te trata com dignidade.

A hora é agora, quem você vai escolher?

Espero ter chegado a tempo.
Espero que você se escolha.

Cortesmente,
K.

Minutos depois o telefone vibrou.

O rapaz verificou na bandeja de notificações que a Fênix havia dado o tal “ar da graça”.

Com uma breve risada cansada, a notificação foi jogada pro lado.

Alguém finalmente fez a escolha certa.

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Danilo H.
Revista Subjetiva

Aqui eu escrevo sobre desconfortos, alegrias e sobre nós.