Sakura e um problema chamado Kishimoto

Rafael Moreno
Revista Subjetiva
Published in
7 min readMay 16, 2020
Direitos de Imagem: Estúdio Studio Pierrot, autor e listrador Masashi Kishimoto

Minha última vitória pessoal foi ter terminado Naruto Shippuden. Comecei com o anime do pequeno ninja lá na adolescência e ainda devia essa para aquele moleque de quinze anos. Aliás, uma outra coisa que devo para ele é um toque de quem assistiu o Naruto completo do que só o clássico.

A culpa da Sakura ser uma péssima personagem é do Kishimoto.

Mas porque será que a Sakura não funciona de jeito nenhum? Bom, vamos lá?

Motivação

Logo no começo do anime, o Kakashi reúne o time sete, composto pelo Naruto, Sasuke e Sakura, e inicia com a seguinte pergunta: qual o seu sonho?

Temos o Naruto dizendo que quer se tornar um Hokage para ser reconhecido em Konoha ,(e, cá entre nós, nessa fase do anime ele faz questão de nos lembrar disso todo santo episódio). Já o Sasuke, em poucas palavras, diz que seu maior desejo é se vingar de “um certo alguém”.

A Sakura, entre suspiros apaixonados, diz que seu sonho é conquistar uma certa pessoa, no caso, seu amor platônico Sasuke.

Tá legal, tá legal. Um quer ocupar o posto de líder e ninja mais forte da vila. Outro quer se tornar poderoso para trilhar seu caminho de vingança. Já a terceira integrante, bem, ela quer conquistar o coração do seu amado, que nem recíproco é.

Cara, logo nesse começo, não tem como não achar que algo de errado não estava certo. Olha só essa diferença gritante de motivação, como consertar isso?

Mas cadê o background?

Talvez fosse cisma minha, pensei. Que tal darmos uma chance? Com certeza o Kishimoto vai dar o protagonismo que ela merece lá na frente, até porque ela faz parte do time de protagonistas do anime, não é mesmo?

Errou feio, errou rude.

Uma das manias que o autor tem é de explorar ao máximo o passado dos personagens. Ele monta um background que se torna definidor de quem o personagem é e qual desafio ele precisa superar para se tornar mais forte.

Com o Naruto, sabemos que ele passou por todo o preconceito e isolamento dos adultos. O Sasuke teve o clã inteiro dizimado pelo irmão mais forte. Neji, o mais forte do Clã Hyuuga, nasceu com o destino selado pela família. Rock Lee e sua inaptidão em usar Ninjutsus e Genjustus, elementos chaves para se tornar um ninja de respeito. Gaara e sua maravilhosa história de manipulação por carregar um demônio dentro de ti, era apenas um menino que perdeu todos que amava.

Entendemos sua história, criamos a empatia e, com isso, passamos a torcer por ele. Essa é a construção básica do personagem.

Não se torce por quem não se tem empatia.

E quanto a Sakura, nossa ninja? Bem, o que sabemos do passado dela é que ela tinha a testa avantajada e todas as crianças zombavam disso, até sua amiga Ino lhe colocar um laço na cabeça. Logo na sequência, é contado que sua rivalidade com a Ino se deu quando as duas se apaixonaram pelo mesmo garoto, o Sasuke.

E…é só.

Te juro. Durante todo a anime é isso que sabemos da Sakura. Não sabemos nada sobre sua origem, seus pais, se tem irmãos ou irmãs, algum gatinho em casa, conflitos na família ou no clã. Nada disso.

O parágrafo de cima é tudo o que você conhece da história dela. Cara, até o Kiba, um personagem secundário e de pouco palco, tem toda uma história da ligação dele com seu clã.

Com certeza o Kishimoto deve estar guardando algo né?

Promessas nos pontos de virada

Outro artifício muito bacana nas histórias é criar aquele clima para um “agora vai”. Aquele golpe, aquele grito enlatado na garganta, aquela transformação, a empolgação que temos ao ver o personagem superando a tudo e a todos e mostrando que não tá pra brincadeira.

Agora vai!

Bem, não foi.

Até teve um ensaio ou outro, mas acabou não rolando. Como fiquei puto com isso.

Tudo começou lá no Exame Chunnin. Naruto e Sasuke feridos após a luta contra Orochimaru, Sakura sozinha cuidando dos dois até que o trio é atacado pela equipe do som. Ela luta bravamente, é subjugada, e quando passa pelos momentos de flashbacks e monólogos, eu penso “agora é a hora dela!”.

Que nada, não conseguiu vencer nenhum do trio sozinha. E essa é uma tônica que permeou todo o anime.

A Sakura empatou com a Ino na segunda fase do exame Chunnin e, depois disso, zero protagonismo. Quando o Sasuke foi raptado, o Shikamaru poderia chamar quem quisesse para o resgate e ela nem tava lá.

Daí eu penso, tá bom Rafael, de repente ela é uma ninja mediana e não tem problema algum em ser assim, até porque o Naruto e o Sasuke são absurdamente mais fortes do que qualquer um de lá.

Se é assim que tem que ser, não vejo problema algum. Será mesmo?

A promessa que não foi cumprida

A fase Shippuden começa cheia de empolgação e promessas. O Naruto retorna a vila junto com seu sensei, o Jiraya. Todo mundo crescido, roupas diferentes, novos desafios e, principalmente, uma nova escala de poder.

Nessa fase é nítido que o Kishimoto pensou “dessa vez eu me redimo com a Sakura” e ele deixa claro nos primeiros episódios.

A nossa querida Sakura treinou com a Tsunade, uma Sannin Lendária, junto com o Jiraya, que treinou o Naruto, e o Orochimaru, que treinou o Sasuke.

Ponto para o autor. Cada Sannin treinou um ninja do trio principal, temos aí um simbolismo forte. A Sakura largou o genjustu que o autor ensaiou lá no início do anime, e partiu para a força bruta e conhecimentos de jutsus médicos.

Não é só isso. Logo no início, quando eles vão para Sunakagure (país da areia), para se encontrarem com os shinobis de lá e traçarem uma estratégia para o resgate do Gaara, que na altura do campeonato já se tornou um Kazegake, ela é elogiadíssima! Ao curar o Kankurou do veneno colocado nele, durante a batalha contra o Sasori, todos ficam abismado com a seriedade e as técnicas da Sakura.

Boa! Nova fase, vida nova.

Não somente isso, eles perseguem os membros da Akatsuki, principal antagonista dessa fase, e vejam só, ela pode lutar contra o Sasori, mano a mano, no x1, e mostrar para todos que mudou.

É…não. De novo, não. De novo, o Kishimoto simplesmente tira o protagonismo que construiu para ela, sem dó nem piedade.

Na luta contra o Sasori, mestre das marionetes, ela aceita ser manipulada pela Chiyo, como se fosse uma marionete também. Não poderia existir uma metáfora pior que essa, não é mesmo? Além disso, a luta nunca se tratou de ser entre ela e o Sasori, e sim uma luta entre o Sasori e a Chiyo. Neto e avó!

Mano do céu. Dessa luta veio uma puta história da vila da Areia, entre marionetes, a relação de amor entre avó e o neto, entre Chiyo e Sasori. Com a Sakura totalmente escanteada.

Ou seja, toda construção de seu crescimento jogado fora na hora do vamos ver. Mas tá difícil de acertar, não é Kishimoto?

A lição de moral do Sai não foi para ela

Nessa parte me deu vontade de segurar o Kishimoto pelos ombros, chacoalhar e perguntar “o que diabos você tá fazendo, cara?”.

Contexto. Sai é o novo integrante do time sete e, veja só você, com toda uma história por trás. Daqueles personagens que você sente ódio no começo mas, quando o compreende, torce pelo mesmo até o fim.

Daí esse nosso amigo chega para a Sakura e diz que ela é culpada pelo Naruto carregar a culpa de não ter conseguido trazer o Sasuke de volta. Que foi ela que colocou toda essa carga de responsabilidade em cima do Naruto e não fez absolutamente nada.

E, verdade seja dita, é verdade.

Daí o que o nosso autor faz? Ele decide que a Sakura vai tentar fazer com que o Naruto desista de resgatar o Sasuke, este, agora, um foragido de Konoha. Mas como? Ela diz que o ama!

Sim, ela diz para o Naruto que o ama! A pior escolha possível, primeiro porque ela mexe com os sentimentos de alguém que é declaradamente apaixonado por ela e segundo porque, cara, brincar com o sentimento de alguém é muito errado.

Kishimoto não sabe escrever personagens femininas.

E pra piorar, ele ainda força a paixão dela pelo Sasuke, mesmo depois de tudo o que ele não fez por ela, deixando claro que não dá a mínima, toda dinâmica dos dois em cena é ela retroagindo para aquela personagem lá no início do texto.

Conclusão, a culpa é da Sakura?

Não, não é. E nem de longe.

Se temos um “culpado” é o próprio autor por não conseguir desenvolve-la, fazendo com que toda sua motivação seja ao redor de um homem.

Não conhecemos sua história. Não sabemos se ela era de um clã. Nada sobre seus pais, seus anseios, medos, desejos e ambições. Nada disso.

Só temos uma personagem que tenta se provar tão boa quanto seus parceiros de time, para que possa andar ao lado deles e não somente os vendo a sua frente.

Mas sei que, lá no fundo, em algum lugar, ela tem muita história pra contar.

Gostaria muito de ter conhecido essa Sakura.

Uma pena que não rolou.

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