Saudades

Gabriel Piazentin
Revista Subjetiva
Published in
2 min readJan 25, 2020
Ana Maria Serrano via Getty Images.

— Fita cassete era o bicho!

Havia várias delas na nossa frente. Algumas eu lembrava desde que me dava por gente, por menor que fosse. Eu as revia quando a gente mudava de casa e as bagunças guardadas apenas por sentimentalismo saíam das profundezas de algum armário pela casa. Elas eram do meu pai. Estavam sujas, talvez até mofadas. Digo, um VHS meu de Harry Potter mofou, acho que a lógica é a mesma.

— Tá, mas e o vinil? — questionei meu pai.

— Vinil era ostentação. CD, então, nem se fala.

— Sério? Digo, entendo que CD era caro, mas não achava que vinil fosse caro.

— A fita cassete que era mais barata… e era o que eu podia pagar quando era moleque.

Acho que entendo. Ainda hoje eu uso Spotify grátis por não ter como pagar premium. Será que é melhor não ter o que ouvir em mídia física ou ouvir de graça sendo fantoche de publicidade? Os tempos são outros, as questões são outras. A falta de dinheiro que é uma constante.

— Além do mais — continuou meu pai –, cassete tinha a vantagem de ser portátil. As capas dos vinis eram bonitas, mas a praticidade da caixinha do cassete também tinha lá seu charme. Dava pra ouvir no carro, num Walkman. Era caro, o Walkman! Rádio toca-fitas de carro, então, tinha gente sendo roubada toda hora, estouravam o vidro pra pegar.

— Tudo era caro nos anos 70…

— Isso que você não viu os 80…

De fato, não vi. Tô pra ver os 20. Eu me pergunto se em algum momento vou conversar com meu quem-sabe-futuro filho: “o Spotify era o bicho! Mas só o premium…”. É engraçado isso, projetar o saudosismo no futuro. Nem imagino o que de fato eu teria de materialidade para levar lá na frente. É tudo digital, perecível e de obsolescência programada. Talvez sinta falta do meu pai. Quando for a minha época de estar saudoso, é possível que ele não esteja comigo. Meus olhos se encheram de lágrimas.

Ali do meu lado, meu pai comovido vivendo de passado. E eu, de presente.

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