“Se afaste de pessoas tóxicas”? Pessoas quê?

Sobre toxidade humana e a decadente superioridade de alguns seres iluminados

Coletivo Aurora Maria
Revista Subjetiva
4 min readNov 28, 2018

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Instagram: @brush_willis

A internet, assim como a vida real, é um meio hostil. Em menos de meia hora é possível ver, nesses dois mundos, brigas, discussões, desentendimentos. Aqueles que te estendem a mão no setembro amarelo podem te virar as costas no próximo mês. A vida resumida em superficialidade, rivalidades, picuinhas e chavões baratos fez surgir uma nova expressão: chamar o coleguinha de pessoa tóxica.

Mas o que seria uma pessoa tóxica? Essa expressão tem mais variações de significados do que consenso sobre ela. Aparentemente, a parte que é consenso, em quaisquer que sejam as explicações, seria que: a pessoa tóxica é inferior a pessoa não-tóxica. A pessoa não-tóxica, é, obviamente, a pessoa que acusa a outra de ser uma pessoa tóxica. Sendo assim, a não-tóxica detém uma superioridade, seja esta moral, espiritual, social, emocional ou seja lá o que for o pré-requisito de oposição à pessoa tóxica.

Há pouco vi circular no facebook uma postagem em que falava, basicamente, de que se você viesse com bagagens emocionais negativas para começar um relacionamento, você seria uma pessoa tóxica, então, claro, deveria ser excluída a possibilidade de aproximação já que você é uma pessoa tóxica. Vi também outra postagem falando que cada um tem um tempo na sua vida e que, se fulano não está te fazendo bem, este fulano seria, então, uma pessoa tóxica. Interessante, não é? Aparentemente frases rápidas dão a clareza de que aquele que você nutre uma certa antipatia porque discordou de você em determinado momento, aquele que tem problemas emocionais e às vezes se torna chato, aquele que não teve o mesmo grau de instrução que você e repete piadas preconceituosas, estes todos (e mais um pouco) estão quase banhados em Césio-137. E você, que se sentiu magicamente contemplado por essas postagens que esclarecem sobre pessoas tóxicas: você é um ser iluminado que não merece lidar com discordâncias e diferenças e toxidades-quase-radioativas daquele que discorda de você.

Entretanto, a sua iluminação é tanta que te cega: não te faz perceber que a toxidade que você viu no outro pode dizer mais sobre você mesmo do que sobre o outro. Talvez você seja aquela pessoa egoísta que não aceita discordância, pensamentos diferentes, diferença de classe, de estudo, de etnia… Aí o termo pessoa tóxica cai como uma luva naquilo que você não consegue suportar: a diferença do outro e teu visível constrangimento quando não satisfazem teu esperado. Sendo o outro a fonte que nutre as expectativas que estão para além de você, se você não consegue lidar quando essa expectativa é quebrada, quando há uma discordância, quando a bolha é furada, então o outro é visto como tóxico. E se prolifera o discurso que “só quero perto de mim gente que me faz bem” e uma negativa àqueles que você considera como tóxicos. Sendo que esse “fazer bem” pode, na maioria das vezes, significar “aqueles que concordam comigo integralmente”.

Pensar em pessoas como coisas que “cumprem metas na vida” ou são como um objeto radioativo que, em ambos os casos, deve ser afastado, esquece pessoas não são objetos fabricados com determinadas funções. Seres humanos são dotados de sociabilidade e é essa sociabilidade que permite pensar em novas escolhas, de mudar de pensamento, criar um mundo novo... Permita a aproximação de discordâncias: você e toda sua não-toxidade não são detentores da verdade universal. Seu estilo de vida, nem sua saúde mental impecável, nem seu dinheiro na conta, não te fazem melhor que ninguém. Inclusive, é capaz de que aquele que tanto acusa o outro de ser tóxico, na verdade, possuir uma coroa de resíduos hospitalares radioativos.

Então, se for pra chamar o coleguinha de tóxico, que seja cantando Toxic da Britney Spears. Ou Radioactive da Marina and The Diamonds. Se não for assim, recomendo a você considerar duas, três vezes a tua opinião sobre o outro ser tóxico. Pense sobre como você age, antes, talvez esse outro seja mais parecido a você do que imagina. E, também, pense se a realidade da outra pessoa dá a ela a oportunidade de ser uma pessoa iluminada tal qual você é. Pode ser que Chernobyl não seja o outro.

Uma observação importante: essa postagem não fala para relevar pessoas racistas, sexistas/misóginas, homofóbicas, violentas etc. Dado o recado, avisamos que: a ressonância magnética que habita em mim saúda o raio-x que habita em você.

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