fonte: Pixabay

Se alimentar é muito mais que comer ração para humanos

Johnny Taira
Revista Subjetiva
Published in
3 min readOct 14, 2017

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Saiu na G1, no dia 12 de outubro de 2017, a notícia que a prefeitura de São Paulo dará uma espécie de ração para alimentar famílias em situação de necessidade, numa parceria com a empresa Plataforma Sinergia. O alimento, no caso, é resultado de “alimentos que estão perto da data de vencimento e fora do padrão de venda em supermercados.”

A despeito do discurso do “evitar desperdícios” que parte da prefeitura, tal medida é, na verdade, um completo absurdo que desumaniza os mais pobres e também priva o direito à alimentação, este último não simplesmente como o ato de ingerir qualquer tipo de composto teoricamente nutritivo, totalmente industrializado e facilmente comparável à ração que se dá aos animais, mas como uma expressão da cotidianidade familiar, de expressão de uma cultura através da culinária e, consequentemente, do direito ao acesso à alimentação verdadeira.

Ou seja: o alimento também é uma manifestação cultural. O arroz com feijão corriqueiro dos nossos pratos é também parte daquilo que somos como sociedade e demonstra, através da variedade da nossa culinária, como o país é tão diversificado, culturalmente falando. A comida feita na Bahia é muito diferente do que é feita em São Paulo, que é diferente dos pratos típicos do Pará, que em nada se assemelham àquilo que é servido no Rio Grande do Sul. A geografia, as heranças culturais dos povos que ali habitaram, o clima e a disponibilidade de determinados gêneros alimentícios fazem a culinária de um determinado local. E a forma como nos alimentamos também muda muito de acordo com a condição financeira de cada família. Mas o que não muda é a importância da comida dentro de um lar, ou em uma roda de amigos, ou em qualquer forma de convivência social. Entes queridos se juntam em torno da mesa — ou de qualquer lugar onde esteja o pão nosso de cada dia — e aquele momento de se servir se torna crucial para qualquer ser humano.

“Passa o sal.”

“Pega mais um pouco, você tá tão magro(a)!”

“Vai querer a sobremesa?”

“Fica pro jantar! A gente é simples mas a comida é boa!”

São todos gestos e frases ditas durante uma refeição que acabam por fazer parte do nosso cotidiano e são, em vários casos, os únicos momentos de interação social que podem existir em um dia atribulado por compromissos do trabalho, estudos e outras atividades. Sendo assim, reduzir a alimentação a rações é privar o direito ao acesso à diversos aspectos sociais, culturais e antropológicos que um simples prato de comida pode trazer à população. Trata-se de uma perigosa aproximação das distopias contidas em diversas obras do século XX e XXI que não se resumem somente à repressão, dizimação da cultura e do pensar e da redução do ser humano à mera peça de um gigante maquinário industrial da contemporaneidade. Além disso, é também uma possibilidade de abertura a precedentes que levem à cada vez maior precarização daquilo que é fabricado pela indústria alimentícia, com comidas cada vez menos nutritivas e menos compostas de cultura e história.

Existe muito pouco para se contar sobre uma ração de comida prestes a vencer. Talvez somente que a humanidade está caminhando para uma direção bem errada.

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Johnny Taira
Revista Subjetiva

Estudante de Jornalismo. Desenvolvedor. De vez em quando escreve no Medium. Contato: taira.jyundi@gmail.com