Se o feminismo não abraçar a luta de classes, a luta de classes não vai abraçar o feminismo

Grazie S
Revista Subjetiva
Published in
4 min readNov 21, 2018
São Paulo, 2016 / Carta Capital

Em uma analise histórica do movimento feminista, não apenas no Brasil, mas também no mundo, é possível notar um padrão: apesar de o movimento ter nascido de uma brecha entre um governo conservador a implantação de um governo mais liberal — principalmente no que se diz respeito ao movimento sufragista, nem a esquerda e muito menos a direita abraçaram as pautas do movimento feminista como suas.

Na Inglaterra e nos Estados Unidos no século XIX, a ampliação de diretos civis apenas para homens — onde a palavra male designava àqueles que poderiam desfrutar de tais diretos constitucionais, resultou na movimentação feminina em busca de seus direitos. As mulheres, em um primeiro momento buscaram o auxilio do governo para tentar adquirir os mesmos direitos que os homens. Tendo sido silenciadas a força e tendo suas pautas ignoradas, precisaram recorrer a medidas mais radicais para serem ouvidas.

No Brasil, o movimento sufragista nasceu nas elites, influenciado pelas suffragettes britânicas e estadunidenses, não foi um movimento que alcançou as camadas mais pobres da população feminina ou até mesmo, um movimento que tenha sido aprovado pela grande maioria das mulheres da elite. Talvez por esse motivo, 32 anos após a conquista do direito de voto, as mulheres tenham saído às ruas em protestos em favor da ditadura. As Marchas da Família com Deus pela Liberdade foram movimentos de mulheres por todo o Brasil que pediam pela intervenção militar, com o intuito de salvar a pátria brasileira do comunismo. Nota-se ai uma maior participação política da mulher brasileira, mesmo que tenham sido movimentos orquestrados e influenciados pelos pais, irmãos e maridos dessas mulheres. Com a instauração do regime militar, temos dois estereótipos de mulher brasileira: a cidadã de bem, reclusa em sua tarefa como rainha e protetora do lar; e a puta comunista, ou seja, aquelas mulheres que lutavam contra a ditadura. E apesar destas mulheres tendo lutado lado a lado com os homens, engajadas com a esquerda brasileira contra o regime totalitário, suas pautas de gênero não foram abraçadas pela resistência. A desigualdade entre homens e mulheres não era tão importante quanto à luta de classes.

A partir dai e com a reabertura democrática do Estado, o movimento feminista brasileiro se expande e engloba pautas já defendidas pelas inglesas e estadunidenses nos anos 60. A mulher brasileira só foi dar-se conta de que a luta política, fosse de esquerda ou de direita, jamais colocaria pautas feministas em primeiro lugar e que deveriam ser as mulheres a defendê-las antes de tudo. Ser ver como mulher e adquirir consciência de sua classe antes de ser qualquer outra coisa.

No final do século XX e inicio do século XXI, o movimento feminista brasileiro ficou adormecido. De 2010 até então, voltamos a ver uma reorganização do movimento de mulheres. É necessária que essa nova onda feminista abrace a luta de classes, para que o feminismo não se torne classista e silencie a luta da mulher pobre e não apenas dela, mas da mulher negra, da mulher LGBT’s, da mulher indígena e de tantas outras mulheres marginalizadas. É necessário que esse movimento tome um caráter individual como algo de mulheres, mas plural para a inserção de todas as mulheres e não apenas algumas como foi o sufragismo no Brasil. A mulher brasileira precisa tomar consciência e aceitar que a luta partidária e ideológica que hoje toma conta da política brasileira, é uma luta de homens, porque o machismo e o patriarcado brasileiro ainda são a base do nosso governo. Então você, antes de levantar sua bandeira partidária, lembre que nenhum homem vai pensar em você antes de levantar a bandeira dele. Abrace o feminismo, porque apenas ele tem a capacidade de te libertar. A esquerda e a direita podem esperar, mas a sua liberdade não.

Referencias

ABREU, Zina. Luta das mulheres pelo direito de voto: Movimentos sufragistas na Grã-Bretanha e nos Estados
Unidos. Disponível em: http://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/380/1/Zina_Abreu_p443-469.pdf

COSTA, Ana Alice Alcântara. O movimento feminista no Brasil: dinâmicas de
uma intervenção política. Revista Gênero, v. 5, n. 2, 2013. Disponível em: http://www.revistagenero.uff.br/index.php/revistagenero/article/viewFile/380/285

KARAWEJCZYK, Mônica. As suffragettes e a luta pelo voto feminino. História,
imagem e narrativas, n. 17, out. 2013. Disponível em: http://www.academia.edu/download/33267419/03suffragettes.pdf

PINTO, Céli Regina Jardim. Feminismo, história e poder. Revista de Sociologia e
Política, Curitiba, v. 18, n. 36, jun. 2010. Disponível em:
http://revistas.ufpr.br/rsp/article/view/31624

RIDENTI, Marcelo Siqueira. As mulheres na politica brasileira: os anos de
chumbo. Tempo Social, São Paulo, v. 2, n. 2, dez. 1990. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/ts/article/view/84806

TOMAZONI, Larissa. A mulher na ditadura militar: uma análise das limitações e
consequências da participação política feminina. Direito, v. 1, n. 22, 2015.
Disponível em:
http://revistas.unibrasil.com.br/cadernosdireito/index.php/direito/article/view/837

--

--