Se o Temer cai, quem assume segundo a Constituição?

A expectativa por uma renúncia de Temer, o desejo por eleições diretas e o que é mais provável de se acontecer.

Thiago Süssekind
Revista Subjetiva
9 min readMay 18, 2017

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O presidente Michel Temer, com cara de preocupado. (Foto: Evaristo Sá/AFP)

O dia 17 de maio de 2017, independentemente dos acontecimentos que o sucederão, já entrou para a história do Brasil. Naquele que é o furo do século do jornalismo brasileiro, Lauro Jardim revelou que o presidente Michel Temer (PMDB) teria sido gravado por Joesley, que preside a holding J&F (que controla a multinacional do setor de carnes, a JBS), dando aval para a compra do silêncio, através de uma mesada, do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e para o doleiro Lúcio Funaro.

Temer, de acordo com Jardim, indicou o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) para resolver problemas relativos à J&F. Loures, posteriormente, foi filmado recebendo R$ 500 mil em dinheiro, enviados por Joesley. Em outra gravação, Joesley teria dito a Temer que estaria pagando mesadas para Eduardo Cunha e Lúcio Funaro — que estão presos — para que permanecessem em silêncio. O peemedebista, já no exercício da Presidência, teria condescendido com o pagamento de propina para comprar o silêncio destes, dizendo:

“Tem que manter isso, viu?”

A Polícia Federal (PF) filmou uma entrega de R$ 400 mil para Roberta, irmã de Funaro. Para Cunha, o dinheiro era entregue a Altair Alves Pinto, seu homem de confiança. Tudo isso de acordo com as informações apuradas pelo colunista do jornal O Globo.

Joesley ainda relata ter entregue à Procuradoria-Geral da República (PGR) uma gravação na qual o senador Aécio Neves (PSDB-MG) aparece solicitando R$ 2 milhões ao empresário, sob a justificativa de a quantia ser necessária para pagar despesas com a sua defesa na Lava-Jato. O primo do presidente nacional do PSDB, Fred, que teria sido o responsável por pegar a quantia com o diretor de Relações Institucionais da JBS, Ricardo Saud. Teriam sido quatro entregas de R$ 500 mil, das quais a PF filmou uma delas.

No entanto, a revelação mais importante, com certeza, é a relacionada ao presidente da República. As consequências políticas já começaram: Gerson Camarotti relata que a base aliada avisou ao Planalto desejar a renúncia de Michel Temer. Ao blog, o presidente nacional do PSB — sigla que comanda o Ministério de Minas e Energia — , Carlos Siqueira, afirmou que “a renúncia do presidente passou a ser um imperativo para não agravar ainda mais a crise.” Além disso, completou: “O governo Temer acabou hoje”.

Mesmo que não renuncie, Temer não terá vida fácil. Nessa mesma noite do dia 17, o deputado federal Alessandro Molon (REDE-RJ) protocolou o pedido de impeachment do presidente. Caso a avaliação de Camarotti — que cita falas de parlamentares “em off” — o peemedebista será atropelado e perderá qualquer tipo de influência sobre o processo de sucessão caso não decida pela renúncia rapidamente.

Por enquanto, contudo, o presidente ainda não assumiu a derrota. Em nota oficial, o Palácio do Planalto afirmou que Michel Temer jamais teria solicitado pagamentos para comprar o silêncio de Eduardo Cunha, em um sinal de que pretende resistir.

Em caso de renúncia de Michel Temer, a Constituição Federal prevê a realização de eleições indiretas. Entretanto, manifestantes foram à Avenida Paulista, na noite do dia 17, clamar por eleições diretas, e novos atos já foram convocados para o fim da tarde do dia 18 no Rio de Janeiro e em São Paulo com a mesma reivindicação.

Quais são os cenários possíveis diante dessa confusão política em solo nacional?

  1. O mais provável dos acontecimentos: a renúncia de Michel Temer seguida pela posse interina de Rodrigo Maia até a realização, em 30 dias, de eleição presidencial indireta.

Diante de todo o desenrolar dos acontecimento nesta histórica noite do dia 17 de maio, a maior parte dos analistas políticos não crê que Michel Temer consiga resistir à pressão, de forma que a renúncia se torne a sua única saída.

Nesse caso, a Constituição prevê que — diante da ausência de um vice-presidente, por conta do processo de impeachment de Dilma Rousseff — o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, assuma por um período de trinta dias. Este é o prazo previsto para a realização de uma eleição indireta em caso da queda de um presidente cujo mandato esteja a menos de dois anos do fim.

“Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.

§ 1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.”

Bom, tudo claro, né? Não…

a) O problema acerca da maneira pela qual a eleição indireta seria feita.

A única lei que trata da questão das eleições indiretas é de 7 de abril de 1964 — não coincidentemente, uma semana depois do golpe civil-militar que depôs o presidente João Goulart — ou seja, ela antecede em muito a Constituição Federal de 1988, de forma que talvez não seja receptada por esta. A Lei Nº 4.321 tem uma série de problemas para os dias de hoje, como prever eleição separada para presidente e vice-presidente e não reconhecer o voto eletrônico, uma vez que este não existia à época. Por fim, a legislação não fala sobre quem poderia se candidatar ao cargo, o que é um enorme problema.

Com isso em vista, no ano de 2013, a Comissão Mista sobre a Consolidação da Legislação Federal e Regulamentação de Dispositivos da Constituição aprovou uma proposta que disciplina o artigo 81 da Constituição. Dessa comissão surgiu o PL 5821/2013, que resolveria as questões. Esse projeto prevê uma única eleição, tanto para presidente quanto para vice e votação aberta pelos parlamentares, em uma sessão unicameral, reunindo senadores e deputados. Além disso, estabelece a necessidade de que o candidato seja filiado a partido, tenha pelo menos 35 anos de idade e não seja enquadrado na Lei da Ficha Limpa.

Todavia, o PL não foi votado no Plenário e, portanto, não está em vigor. Ou seja, ainda nos encontramos dentro de um vácuo normativo, que obrigaria o Supremo Tribunal Federal (STF) — que encontra-se rachado — a definir o rito. Complicado, não?

b) Na eventualidade de uma eleição indireta, quem teria força?

Esse ponto é bastante imprevisível. O presidente escolhido para completar o mandato-tampão teria que ser fruto de um acordão nacional entre as principais forças políticas do país. Diante desse contexto — e do descrédito dos políticos perante à população frente à Operação Lava Jato — nomes como o da presidente do STF, Cármen Lúcia, e de Nelson Jobim, ex-ministro da Suprema Corte, ex-Ministro da Justiça no governo de Fernando Henrique (PSDB) e ex-Ministro da Defesa durante a gestão petista, foram ventilados.

O primeiro dos nomes, contudo, é a atual presidente da Suprema Corte e precisaria renunciar (e dependendo dos ritos definidos, se filiar a um partido), enquanto Nelson Jobim acabou de se tornar sócio, no ano passado, do BTG Pactual, um dos principais bancos de investimento do país.

Eventualmente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso poderia se candidatar, como o mercado e alguns políticos desejavam no fim de 2016. Entretanto, também em dezembro do ano passado, FHC declarou:

“(…) se a pinguela cair, o Congresso terá de convocar eleições diretas. Porque é difícil governar nessa situação de escolha indireta pelo Congresso.”

Em resumo, o nome de um possível presidente tampão é uma incógnita.

2. Michel Temer permanece, resistindo.

Caso isso aconteça, como Gerson Camarotti deixou claro, o presidente não terá vida fácil. Pode encontrar a sua base aliada completamente rachada e uma oposição sedenta por sua cabeça. Não seria uma surpresa se o processo de impeachment — cujo rito legal está fresco na cabeça dos parlamentares, em decorrência da destituição de Dilma no ano passado — caminhasse com facilidade no Congresso. Afinal, Alessandro Molon já protocolou o primeiro pedido de afastamento do presidente. Pouco depois, um segundo pedido foi protocolado, desta vez pelo deputado JHC (PSB-AL).

E, assim, Michel Temer se isolaria para sempre politicamente, perdendo seus poucos remanescentes aliados.

“Nesse momento em que surgem essas gravações, esse governo não tem legitimidade para continuar governando. Chegou ao ponto final. O ponto final, se não for dado pela sua própria renúncia, será feito por esta Câmara e por este Senado através de um impeachment”

(Carlos Zarattini (SP), líder do PT)

Contudo, a oposição — seja nesse cenário, ou diante do contexto de uma renúncia — não se contentaria com eleições indiretas. Está muito evidente que se buscará a realização de eleições diretas, o que promete uma enorme quantidade de polêmicas.

“Ele tem que renunciar ao mandato de imediato e o Brasil precisa de uma convocação de eleições diretas. É a única maneira que temos de pacificar o País e resolver o que estamos vivendo”

(Gleisi Hoffmann, líder do PT no Senado)

Isso sem contar, ainda, a possibilidade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassar a chapa Dilma-Temer no meio tempo, em ação que corre desde 2015. Esse processo, contudo, pode ser alongado, ainda mais sob a presidência de Gilmar Mendes.

b) Sobre a possibilidade de se realizar eleições presidenciais diretas.

O primeiro grande debate que surge acerca deste tema é se uma emenda constitucional que permitisse a realização de eleições diretas seria constitucional ou não.

Para inúmeros juristas, a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) sobre o tema esbarraria no artigo 16 da Constituição, que diz: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência”. Além disso, esbarraria em uma série de outras questões, como a necessidade do pleito ser realizado apenas de quatro em quatro anos.

Uma alternativa, que pode ser constitucional ou não, seria a aprovação da PEC 227/2016, de autoria de Miro Teixeira (REDE-RJ), que permite a realização de eleições diretas ao alterar o artigo 81, que na nova redação, assim ficaria:

Art. 81 — Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.

§ 1º — Ocorrendo a vacância nos últimos seis meses do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.

Dessa forma — com a aprovação desta PEC — poderia ser realizada, de maneira direta, a eleição presidencial. A argumentação de Miro parte do princíprio de que haveria uma controvérsia entre o artigo 81 e o Código Eleitoral cujo artigo 224 prevê que, se a saída do presidente e do vice-presidente se der por causas eleitorais, seria feita uma eleição direta até seis meses antes do fim do mandato, quando, só então, seria feita a escolha indireta pelo Congresso.

No parecer do deputado Esperidião Amin, para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, de 7 de junho do ano passado, ele argumenta que a PEC resolve o conflito entre a Constituição e o Código Eleitoral e defende que a mesma não é inconstitucional ao não violar cláusulas pétreas.

No entanto, essa não é a visão de muitos juristas e não se sabe se as atuais forças políticas que compõe o governo gostariam de tomar essa atitude, que poderia fortalecer o PT e Luiz Inácio Lula da Silva.

Mas isso não invalida, por completo, a possibilidade. Em dezembro de 2016, diante de um agravamento da crise política, a antecipação das eleições foi alvo de discussão. Na ocasião, como antes relatado, Fernando Henrique se mostrou favorável à realização de eleições diretas em caso de queda do presidente Michel Temer. Além disso, outros nomes proeminentes da política nacional, como o do líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado, também havia se mostrado favorável à proposta:

“Nessa hora não podemos ter medo de antecipação do processo eleitoral. O risco é caminharmos para um processo de desobediência civil”

Ou seja, podemos ver o Brasil imerso em mais um enorme debate político e jurídico, diante da mais grave crise política da frágil democracia republicana brasileira. O que nos leva a terceira possibilidade:

3. A realização de eleições diretas para presidente, de forma antecipada.

Nesse caso, pelo que as análises recentes apontam, Lula (PT) teria uma força incomparável a de seus adversários. Ele lidera na pesquisa Datafolha, feita em dezembro do ano passado, pela CNT/MDA, de fevereiro deste ano, pelo instituto Vox Populi, de abril e para o Ibope, em pesquisa de abril deste ano. Ou seja, o petista seria favorito. E com as eleições sendo antecipadas, não haveria tempo hábil para que ele fosse condenado em segunda instância, o que tornaria o ex-presidente inelegível pela Lei da Ficha Limpa.

Esse cenário, contudo, parece pouco provável no momento. Resta esperar o desenrolar dos acontecimentos nesta quinta-feira, 18 de maio, para que análises mais claras possam ser feitas.

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Thiago Süssekind
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Líder Estadual do Acredito-RJ (2020-2022) | Advogado | Direito-UERJ | Contato: tsussekind@hotmail.com | Twitter: @ThiagoSussekind