Sem peso, nem medida

Gabriel Martins
Revista Subjetiva
Published in
3 min readMar 30, 2021

Qual deve ser o peso da consciência da pessoa que não precisa assumir nada sobre si mesma para ninguém? Claro que é uma ordem de medida tão peculiar e raramente medida corretamente que a gente pode considerar que a sua exatidão nunca vai ser cientificamente confirmada. Mesmo sabendo disso, eu me vejo vez ou outra pensando nesse peso e seu impacto depois de anos nas costas de quem precisa assumir algo sobre si.

A despreocupação de uma criança que cresce já se sentindo parte do mesmo lugar em que todas as crianças estão. Sem precisar diminuir a animação ou revisitar as escolhas de personagem do jogo de arcade no fliperama da rua de trás e como reage entre os colegas para não ser vista como um ponto fora da curva, e, consequentemente, apontada pelo que ainda não entendeu, mas que já sabe, ser tão diferente.

A liberdade no volume da voz para contar quem você achava interessante na escola e a segurança de poder contar com ajuda de amigos para dar o primeiro beijo brincando de salada mista. Sem precisar esperar a noite adentrar para fazer escondido os testes da revista Capricho sobre quem seria seu par perfeito, se você não fosse quem você é.

A sensação opressora de estar decepcionando quem depositou, silenciosamente, todas apostas em você e em como você sairia no mundo ao ser confrontado sobre cartinhas de um flerte inocente entre dois meninos no ensino médio que sua mãe descobriu no meio das suas coisas bagunçadas — porque um hábito adquirido foi adormecer lendo e decorando cada palavra para o caso de ter que se livrar de tudo.

O desconforto físico de se submeter a uma pressão notável na atmosfera de se adequar ao plano familiar de professar uma fé, num espaço onde repetidamente a intolerância é pregada com mais abertura, transparência e frequência que todos os outros valores tidos como cristãos para o lugar onde deveria se adequar a viver, crescer e amadurecer.

O nervosismo entre o momento trágico em que você será perguntado na mesa de um almoço do trabalho sobre sua vida pessoal e a completa desvalorização de sua história quando o assunto muda justamente quando chega sua hora de contar sobre quem você ama. Uma mistura de revolta e alívio que é traduzido numa perna que não para de balançar, nem em estado de repouso.

Enquanto eu me pego pensando nisso tudo e um bocado mais quando experimento refletir sobre o caminho que me trouxe até abraçar minha sexualidade, não posso deixar de lado que isso é uma jornada cheia de nuances para qualquer pessoa LGBTQIA+em todos os mais diversos níveis de intensidade — que, com toda certeza, não observou em seus amigos, colegas de trabalho e parentes que experimentaram a liberdade permitida pela normatividade os mesmos desafios enquanto amadureciam na estrada de se encontrar e se aceitar. Sem falar que é uma estrada silenciosa, solitária e cheia de particularidades que pouca gente (ou muitas vezes ninguém) sabe.

Talvez esteja aí a mágica de entender essa ordem de medida: nunca é sobre o peso mas sobre quem te ajuda a carregar. Por sorte ou obra do destino a gente sempre se esbarra com alguém que nos enxerga com outros olhos e consegue reconhecer o peso que a gente guarda com tanto cuidado até o momento que ele vira orgulho.

Gostou? Clique nos aplausos — eles vão de 1 a 50 — deixe o seu comentário e nos acompanhem também nas outras redes sociais: Instagram e Twitter.

--

--