Será que somos todos corrompíveis?

Os pequenos atos também importam.

Ana Clara Barbosa
Revista Subjetiva
4 min readJun 22, 2017

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Um dia desses, conversando com uma amiga, ela me contou que pagaria o “quebra” da sua carta de habilitação, porque já tinha feito a prova três vezes e não conseguiu passar de jeito nenhum. Aproveitando o desabafo, eu falei que estava pensando em pegar uma carteirinha de estudante falsa — coisa que eu tinha jurado que jamais iria fazer — , porque fui comprar o primeiro ingresso sem ter acesso a meia entrada e fiquei chocada com o preço absurdo.

A gente vive reclamando do governo, que são todos corruptos, que estamos de saco cheio de tanta roubalheira. Mas aí, quando temos oportunidade, furamos uma fila. Recebemos uma quantidade maior de troco e não avisamos. Passamos no farol vermelho. Compramos a CNH e fazemos uma carteirinha de estudante falsa. Erramos nos “pequenos” atos.

Isso me fez pensar: será que nós todos somos corrompíveis?

Eu sou o tipo de pessoa que ama estar sempre certa. Por isso, eu tento ter uma conduta ética na maioria das vezes, só porque eu gosto de estar com a razão. Ainda assim, fiquei realmente tentada em fazer a porcaria da carteirinha falsa, porque acho absurdo pagar R$800 reais para ver um artista.

Ao mesmo tempo que eu me sinto mal e com peso na consciência, fico revoltada que um que ingresso tenha esse preço. Penso no quanto a gente já paga e no pouco retorno que nós temos. É justo? Não. Como lidar com isso? Não sei. A primeira resposta que me vem na cabeça é retribuir com a mesma moeda. Mas acho que temos visto que isso não resolve nada, porque assim a corrupção brasileira se torna sistêmica: ela começa aqui em baixo, conosco, meros mortais; e acaba lá em cima, com esse bando de ladrão que vai parar no governo.

Eu entendo que esses “pequenos” delitos são diferentes de roubar dinheiro público e deixar a população na mão. Mas só é diferente por uma questão de proporção. Eu me pergunto quantos de nós agiríamos de outra forma se estivéssemos ali “do outro lado”. Sempre uso o exemplo do PT, baseada na hipótese deles acreditarem naquele projeto de Brasil que eles prometiam quando se elegeram. Eu prefiro pensar que eles realmente queriam fazer uma mudança, mas foram sugados pelo sistema e viraram iguais a todos os outros. Isso não é desculpa, mas eu não sei até que ponto nós seríamos diferentes, entende? A gente julga o tempo todo, mas não somos tão melhores que nenhum deles, e provamos isso todos os dias.

Em 2012, a Vox Populi fez uma pesquisa mostrando que um em cada quatro brasileiros não considera ato de corrupção subornar um guarda para evitar uma multa. Nós temos mil exemplos de pequenos desvirtuamentos éticos cometidos por nós mesmos: desde não emitir a nota fiscal até jogar papel de bala na rua por preguiça de procurar uma lixeira. Nós cobramos por coisas que não realizamos no nosso dia a dia, e assim fica difícil de realmente mudar o sistema. Por isso, eu acredito que sim, nós somos todos corrompíveis. Nossa história e nossas atitudes mostram isso. Mas será que não está na hora de tentar mudar?

De uma vez por toda, precisamos parar de sentir orgulho do “tal jeitinho” brasileiro. Existem inúmeros elementos da corrupção que estão encravados na nossa cultura, e aí eles acabam fazendo parte do nosso consciente coletivo. Inclusive, o G1 já fez uma matéria bem legal com uma análise histórica mostrando que a corrupção no Brasil persiste desde o período colonial (!). Então não é uma grande surpresa que nos deparamos com situações corruptas todos os dias. Claro que nossas raízes acabam explicando um pouco desse quadro, mas eu me pergunto: até quando? Diante de tudo o que estamos vivendo atualmente, será que não é hora de refletir também sobre os nossos atos?

Nós — e eu me incluo totalmente nisso — não podemos insistir em nos darmos bem a qualquer custo. Falar que nossos políticos são o reflexo da nossa sociedade é um clichê muito real, e entender isso é o primeiro passo para qualquer perspectiva de mudança. Não adianta se pintar de verde e amarelo e ir na Paulista protestar, se você não faz o mínimo no seu dia a dia. Eu continuo achando uma palhaçada tudo o que fazem conosco, realmente não dá um pingo de vontade de seguir com uma conduta ética com tudo o que vemos ao nosso redor. Não nos culpo. Mas eu insisto: talvez esse seja o primeiro passo para melhorarmos nossa situação.

*Sobre a carteirinha de estudante, decidi que vou fazer algum curso no segundo semestre que me dê o direito. Mas sigo achando injusto que um ingresso tenha preço absurdo e ainda tenha um montão de taxas.

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