Será que você sairia do BBB com 99,17% de rejeição?

Peterson Fernandes
Revista Subjetiva
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6 min readFeb 24, 2021

Afinal, se a Karol Conká conseguiu, quem garante que você não conseguiria?

Esse paredão foi bem difícil | Imagem: BCharts

O BBB é uma Experiência Panóptica Parcial, que cria um problema para os participantes pela falta de regras de sociabilidade.

Mas antes de explicar o que é a tal da experiência panóptica, a questão central é: Será que qualquer pessoa, ao entrar no Big Brother Brasil, se transformaria radicalmente — ou mostraria a sua verdadeira face, assim como supostamente ocorreu com a eliminada Karol Conká?

A gente não tem como garantir

É ínfimo o número de pessoas que já entrou num BBB ou que possui algum amigo que já o fez. É mais fácil você ter um amigo que já foi atropelado por um ônibus do que um ex-BBB. Ou seja, o Big Brother Brasil é um local que pouquíssimos brasileiros conhecem de fato. Conhecemos apenas pela TV, mas nunca estivemos lá e sentimos o cheiro daquela grama sintética, nem fomos convidados a conversar com a psicóloga no confessionário. Sendo assim, é um terreno desconhecido, curioso e intrigante.

Com a performance de Karol Conká, eliminada com 99,17% dos votos — a maior rejeição da história — muita gente refletiu sobre como agiria estando dentro do programa. Será que seria um vilão? Será que surtaria, enlouqueceria, começaria a gritar com as pessoas, a obrigar alguém a se retirar da mesa? Será que você apresentaria ao Brasil uma face que nem mesmo você conhece?

Pense sobre isso mas não aqui na minha mesa, ok? | Imagem: Reprodução

Como o nosso comportamento se molda?

Sabemos que nosso comportamento é construído com o tempo, desde a infância, passando por todas as nossas experiências. A maneira com que pensamos e desenvolvemos esse comportamento, é discutida há séculos pela psicologia. Mas aqui falaremos especificamente sobre como o nosso comportamento, já construído, pode ser moldado por um novo ambiente.

A cultura do BBB

Pra falar de cultura temos que remover aquela ideia burguesa de que cultura é “a boa arte”. O cu deles. Primeiro que não existe boa arte, existem diferentes tipos de artes, cada uma para cada gosto. Cultura, antropologicamente falando, é o consenso de tudo que foi transmitido pelos indivíduos e grupos em sociedade. Tradições, crenças, hierarquias, tudo isso forma a cultura como uma dimensão da vida cotidiana de uma sociedade.

“A cultura abrange todas as manifestações de hábitos de uma comunidade e as reações do indivíduo afetado pelos hábitos.” — Franz Boas

Em todas as sociedades há atividades variadas: estéticas, religiosas, esportivas, intelectuais. Todas essas atividades constituem a superestrutura cultural, composta por noções do senso comum, hierarquias, ideologias, simbolismos, mitos, tabus, padrões, etc.¹

Se liga nos padrões, cara.

Não há como garantir que o BBB consiga se estabelecer como uma sociedade própria e possua uma cultura, tal qual como a gente entende.

Apesar disso, o BBB gera um organismo próprio, gerado pelos participantes, através de um compilado de informações prévias que cada um deles possui do ambiente. Ou seja, cada brother e sister busca seguir os padrões conhecidos, para ter melhor desempenho no jogo. É como quando você vai numa festa de formatura: você sabe mais ou menos como funciona e tenta agir de acordo com o que você já conhece. Você sabe que ficará numa mesa com alguns conhecidos e muitos desconhecidos, entre eles algumas pessoas idosas. Essas pessoas idosas deverão ficar sentadas e você respeitará isso, pois em determinado momento da festa eles irão embora, liberando a cadeira para você. E assim por diante.

A grande diferença é que, normalmente, você já esteve em uma formatura antes, presencialmente. No BBB, é como se fosse a sua primeira formatura, e você só conhecesse esse tipo de festa pela televisão.

E é aí que tá: não se trata de uma sociedade própria, e sim um jogo, uma competição, uma corrida com início, meio e fim. Sendo assim, é mais provável que o comportamento maldoso revelado por algumas pessoas não tenha sido gerado ali, e sim trata-se apenas de uma revelação.

“Na casa o meu lado ruim se aflorou” | Vídeo: Rede Globo

Mas e o tal Panóptico?

No BBB, todos estão expostos às mesmas situações e geram respostas diante disso. A Antropologia estuda as culturas, e culturas são geradas, em tese, pelo mesmo conjunto de pessoas e por um considerável período de tempo. No BBB, ninguém pode sair, se comunicar com o mundo exterior e vivem com a constante sensação de vigilância. Diante disso, resolvi fazer uma comparação grotesca com algo similar: uma penitenciária. E para isso, convido você a conhecer o Panóptico.

Esse termo surgiu em 1785 pelo jurista inglês Jeremy Bentham, para designar uma penitenciária ideal. A ideia era permitir a um único vigilante observar todos os prisioneiros, sem que estes pudessem saber se estariam ou não sendo vigiados. A penitenciária seria construída em um edifício circular, com os prisioneiros em suas celas, todas devidamente separadas, sem qualquer comunicação entre elas, sendo que os agentes de segurança ocupavam um espaço no centro, com perfeita visão de cada alojamento. Segundo seu projeto descrito no livro “O Panóptico”, os presos teriam bom comportamento, justamente por se sentirem continuadamente observados, pela aplicação do princípio da inspeção.

Esse é o formato da penitenciária no modelo panóptico. Foram construídos 7 edifícios assim no mundo.

De acordo com Michel Foucault, que analisou essa situação, a nossa sociedade atual possui diversas representações panópticas. Você aí, na sua vida real, também vive no Panóptico, mas com uma diferença crucial: a multiplicidade de ambientes. Estamos presentes em diversos campos Panópticos, e cada um com possui suas próprias regras.

No trabalho, na escola, em casa, na festa, no ônibus… Cada local representa um campo panóptico com suas próprias leis. Na escola, você deve respeitar os professores, tentar mostrar-se um bom aluno, tentar se socializar com os colegas. No trabalho, o respeito é para com o chefe, com os clientes e com os demais trabalhadores. Numa festa, a regra é socializar com o máximo de pessoas possíveis. No ônibus, cada um tem seu cantinho e nunca deve fingir que está dormindo para evitar dar lugar para um idoso (olha aí o idoso aparecendo novamente).

O BBB, como disse na primeira linha desse longo texto,é uma Experiência Panóptica Parcial. Ela é parcial pois, diferentemente da vida aqui fora, lá dentro você está o tempo inteiro no mesmo ambiente e precisa lidar com apenas 1 conjunto de regras. Sendo assim, se você só consegue agir com respeito quando você está no seu trabalho, e quando está em casa, na escola ou no bar você age totalmente diferente, no BBB não há essa possibilidade.

Neste jogo as regras são claras, porém, a principal regra é justamente a que causa problemas: a autenticidade como obrigação. Você não deve interpretar um personagem, você deve ser você, para que o público de fora se conecte contigo. Tiago Leifert, inclusive, questionou essa situação no discurso de eliminação da Karol Conká. Segundo ele, uma das frases mais ditas pelos participantes é: “Eu estou sendo eu mesmo”. Porém, como ser você mesmo em um ambiente radicalmente diferente? Afinal, por mais que você tente fazer algum tipo de cena, não há como “se manter no personagem” 24h por dia, né?

Se você está acostumado(a) a fingir emoções, fica muito mais difícil lá dentro.

É melhor ser você mesmo do que criar uma persona

Estatisticamente falando, caso você decida por criar uma persona e interpretar falas e cenas dentro da casa, as chances de você deslizar e sair do personagem são muito maiores do que se você agir naturalmente. Por isso, acredito que esse fato seja racionalizado pelos membros ao passar dos dias na casa.

Se a disciplina, numa penitenciária, é imposta através do encarceramento, seguindo o pensamento de Foucault podemos entender que, no BBB, ela é exercida a partir do medo, julgamento e, hoje em dia, do cancelamento.

E se nem essa série de imposições evita que uma pessoa ofenda, humilhe e atue de forma dissimulada dia após dia, não seria o ambiente a afetá-la, exclusivamente, sem fazer o mesmo com os outros participantes. Portanto: não, você aí muito provavelmente não sairia do BBB com 99,17% de rejeição.

Ao menos que você, aqui, seja alguém que, quando fala, vagabundo senta.

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Peterson Fernandes
Revista Subjetiva

@petcafer — Publicitário, antropólogo, escritor e peladeiro.