Ser escritor?

Lucas Lucena Sonda
Revista Subjetiva
Published in
4 min readAug 1, 2017

No dia do escritor, rodeado por colegas tão apaixonados quanto eu pela escrita, e vários deles lançados ao mundo com publicações já realizadas, surge uma dúvida simples e ao mesmo tempo tão complexa em meio às felicitações todas. Quando é possível, de fato, se considerar um escritor? Onde está o tênue limiar entre ser um leitor voraz que arrisca diálogos aqui e acolá e produzir literatura em sua essência?

Do ponto de vista pragmático, é fácil tomar para si a definição do mercado editorial, ditando que escritor é aquele com a capacidade de produzir, editar e lançar ao mundo palavras únicas, originais, convencendo publishers de que sua escrita tem valor, angariando sua cota de fãs e, por que não, vivendo disso, por mais difícil que isso seja na realidade brasileira.

Mas botar a produção artística sob a ótica do mercado simplifica, desumaniza e distorce o ponto basilar que empurra, todos os dias, milhares pelo mundo a concatenar palavra após palavra para produzir um significado e identificação singulares. Levados sempre pela esperança vã de que suas frases choquem, emocionem e prendam o leitor incauto do início ao fim.

Se ser escritor fosse uma concepção tão estagnada e imutável, onde se encaixariam então todos aqueles escritores marginais, que levam para sua escrita as mazelas sociais que vivenciam, as dificuldades cotidianas, as poesias viscerais e os repentes carregados de críticas? Inúmeros deles são ignorados pelas grandes editoras e nem por isso produzem menos literatura, ou uma de pior qualidade. Seja declamando no metrô ou imprimindo, quase sempre do próprio bolso, poucos exemplares de um romance ou antologia de contos, também agregam ao grande mar da literatura mundial. Talvez com menos técnica tradicional, menos formalidade, com gírias demais e prolixidade de menos (e daí?). São eles menos ou mais escritores?

Há também quem tenha se enveredado pelo caminho contemporâneo da internet, expondo sua arte para qualquer um conectado e tendo um feedback direto e rápido de seus leitores. Esses precisam ver suas produções encadernadas e na prateleira da livraria para ganharem a alcunha de escritores e se verem representados? Não, definitivamente não precisam, assim como os escritores acadêmicos, os marginalizados, os alternativos, os cronistas, os jornalistas literários…

Em tempos de ferrenhas críticas às artes, sejam elas audiovisuais, escritas ou faladas, soa temoroso bater no peito e se colocar como artista. Eu entendo. Dos diversos tipos de coragem que inspiram a raça humana, essa é uma das mais ingratas. Tentam nos convencer que fazer dinheiro, status e sucesso é a única forma de se legitimar e caímos novamente no engodo da visão de mercado sobre a arte.

Afastar-se dessa noção é um exercício constante para se manter a sanidade mental e o desejo vivo de escrever, ainda mais se você estiver fora do mercado editorial. Corrijam-me se eu estiver enganado, mas a relação do escritor com o mundo é sempre uma via de mão dupla, absorve o que o rodeia e devolve o que vem de dentro. Uma síntese. Transformar essa inter-relação rica numa via unilateral é, quase com certeza, empobrecer a própria capacidade. Seja ignorando tudo que está à sua volta ou se pautando apenas por isso.

Romântico ou não, prefiro acreditar que ser escritor é, primeiro, amar incondicionalmente o que grandes pessoas nos deixaram escrito. Sentir em si a ânsia por fazer o mesmo, preocupado em equiparar o que grandes nomes realizaram antes de nós; fazer jus à própria voz interior e à mensagem que cada obra pretende passar; transcrever da cabeça para o papel sentimentos banais e complexos, de forma banal ou complexa — tanto faz –, sem perder de vista as sensações que pretendem inspirar.

Respondendo enfim às perguntas iniciais, a essência da literatura não reside no modo, na estrutura, na frequência, na genialidade individual ou na linguagem. Não há fórmula intransponível ou receita pronta. A literatura vai além — muito além — usando uma premissa deveras mais simples: somos, acima de qualquer coisa, todos escritores. De nossa própria história pelo menos. E somos todos capazes de nos expressar idiossincraticamente. Dessa forma, lançar luz a novos conflitos trata-se apenas de externar o que existe dentro de cada um de nós, sendo essa expressão muito mais importante do que a forma como ela se dá.

Se você aceitou na sua vida a importância, o prazer e a necessidade (como é para muitos) de escrever, botando seu empenho, coração e coragem no que produz, nada te tira o direito de se colocar, não só pela perspectiva filosófica mas também pela factual, como escritor. Por isso parabenizo todos os escritores, confessos ou não, pelo seu dia. Que sejamos a resistência escrita às intempéries que nos cercam e que consigamos inspirar gerações futuras como fomos inspirados pelas anteriores. Este é o único e verdadeiro desejo que fica.

Este texto faz parte do Especial: Dia do Escritor da Revista Subjetiva, que se inicia no dia 25 de julho.

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Lucas Lucena Sonda
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Escreveria mais e sobre mais coisas se não fosse a compreensão da minha própria ignorância.