Sobre almas miudinhas

marina
Revista Subjetiva
Published in
3 min readMar 10, 2017

Às vezes me pego devaneando sobre o porquê de a gente crescer. Questões biológicas e a inevitabilidade da passagem do tempo à parte, penso que crescer não é tão legal assim. Quer dizer, no primeiro momento pode até parecer, uma vez que ser gente grande, entre outros atributos, nos proporciona independência e autonomia, coisinhas que, como quase tudo, têm prós e contras, mas que quando somos crianças, parecem as melhores coisas do mundo. Porque quando a gente é pequeno, a gente não se contenta com nossa pequenez. E não se contentando, tratamos de tentar crescer logo até nas mais insignificantes coisas. Logo, ser “café com leite” nas brincadeiras passa a ser um estigma. Levar lancheira para a escola se torna um vexame. Mochila de rodinha e carinho dos pais em público? É como uma afronta à nossa vida social que está em plena aurora. Enfim, uma infinidade de filigranas que só quando a gente cresce, é que percebe que nem era tão ruim assim. Pra falar a verdade, dá é saudade.
Quando a gente é miúdo, as coisas, além de simples, têm um quê de magia que na euforia da meninice, é quase ínfimo ao nosso ver. Tudo ganha uma nova perspectiva pela visão de olhinhos curiosos e ansiosos para desbravar um mundo inteiro. A vida é mais colorida e tudo tem um gosto bom, de infância. De inocência. Lembro que quando menina, costumava dizer que o peru da ceia de natal era mais gostoso que o que mamãe preparava em eventuais almoços. Que o entusiasmo de receber um presente do bom velhinho era tanto, que eu mal dormia, e de manhã, num alvoroço, acordava a casa toda para mostrar que ao final das contas, eu tinha sido uma boa menina, sim. Também me afrouxa o riso (e aperta o peito) lembrar das “mentirinhas do bem” que papai costumava me contar: que a chuva era o Papai do Céu lavando Sua casa; que os raios eram os anjinhos tirando fotos nossas e que quando a gente morresse viraria as estrelas mais brilhantes do céu.
E então, finalmente a gente (realmente) cresce e não entendo por que com isso a vida perde a graça. Aprendemos, por fim, que a chuva se dá devido à evaporação da água; que os raios são descargas elétricas e que as estrelas são feitas de plasma e têm luz própria. Adquirimos responsabilidades e nossas decisões passam a ter mais peso do que apenas escolher um sabor de sorvete. O tempo passa cada vez mais depressa e ao final do dia, percebemos que não fizemos nem metade do planejado. Passamos a ser números: no endereço, na placa do carro, na lista de chamada, no Registro Geral. A vida se torna cada vez mais efêmera e nossa tolerância para certas coisas também. Em resumo: somos obrigados a crescer até no olhar e perder a pureza e a lindeza de quem enxerga tudo mais bonito. E não deveríamos deixar a vida ganhar essa tonalidade cinza, séria. Até porque, como chama de vela que queima, ela é frágil, e num sopro pode se apagar.
Que sejamos, portanto, gente grande com alma de gente miudinha, para que na roda gigante da vida, a gente saiba aproveitar cada momento: seja de cima, com o frio na barriga e a adrenalina de quem chegou ao topo, ou seja de baixo, sempre com aquela ânsia por atingir o máximo e ver mundo pequenininho lá do alto, tendo sempre em mente que uma hora a gente desce e dá oportunidade para outros terem a mesma vista.

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