Sobre corpos de meninas de 10 anos

Nathália Coelho
Revista Subjetiva
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3 min readAug 18, 2020

Para enxergar a dor incrustada no corpo vulnerável de uma criança, eu vou, na minha vida formiga, ressignificando as minhas próprias dores…

Uma foto minha com 10 anos

Procurei uma foto minha com 10 anos para poder escrever um texto sobre o corpo de meninas de 10 anos. Esse tema não sai da cabeça.

As relações que estabelecemos, as violências que rompem o sagrado desse lugar. Compreenda. Ainda não sabemos que é sagrado. Mas é preciso que haja quem saiba por nós e nos proteja.

Um corpo de 10 anos só abeira as transformações que virão na puberdade. Mas veja, só abeira. Ainda é infantil, inocente, tímido, contido. Ainda é um corpo que só quer ser aceito pelas amiguinhas.

Meu recadinho do passado.

Levei um susto com o meu bilhete, atrás da foto: “Eu vou emagrecer 5kg para ficar super esbelta.”

Provavelmente nesse dia eu me senti triste com meu corpo. Estávamos na chácara da minha tia. Das primas, eu sempre fui a maior delas. Usávamos biquíni para brincar, nadar na piscina.

Era só um corpinho de criança indicando uma potencial mulher grande, de ancas largas, perna grossa, alta. Mas eu queria ser pequenininha, harmoniosa.

Meu desejo era ser esbelta. Mas me pergunto qual era o desejo da menina de 10 anos que teve seu corpinho exposto:
1. primeiro pelo abandono dos pais e toda vulnerabilidade social,
2. depois pela atrocidade sexual do tio — durante 4 anos -
3. e agora pelos fundamentalistas religiosos na porta do hospital, na internet?

Você lembra de você com 10 anos? Você conhece crianças com 10 anos?

Esses são dois movimentos primeiros para iniciar o despertar de uma empatia.

O recadinho do futuro para a Nathália de 1999.

Sobre meu desejo de ser esbelta, a Nathália de 31 acolheu a de 10 e escreveu um bilhete do futuro.

E quanto aos outros desejos das meninas de 10 anos?

Sinta a VIDA com o PRESENTE .
Pisando na terra.
Olhando nos olhos.
Não viva pela abstração.
Jesus era peregrino.
Jesus andava.
Jesus vivia no meio do povo.
O templo dele era a rua.
Meu Deus, eu me pergunto como o evangelho ficou tão distante dos seus seguidores.

Antes de vociferar lutos absurdos, abrace sua menina de 10 anos para sentir que conflitos tão complexos como o dessa pequena não se resolvem pela sua pretensa verdade.

Sua frágil verdade se estilhaça em mil pedaços se toca a realidade. Se abaixa na direção dos olhos infantis da dor.

Diante de tudo, calar e respeitar, acolher.

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Nathália Coelho
Revista Subjetiva

Jornalista. Professora. Escritora. Dra em Literatura (UnB). Um monte de coisa, enfim, um tanto de nada… https://www.instagram.com/@_nathaliacoelho