Sobre maternidade e educar filhos para abolição de gênero

Tamy Monteiro
Revista Subjetiva
3 min readMay 13, 2017

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Um breve relato de uma jovem mãe.

Tentar educar um filho (no meu caso, um menino) sem reforçar os estereótipos de gênero não é tarefa fácil nesse mundo patriarcal, disso já sabemos. Passamos das coisas simples às mais complexas, da escolha da cor pra pintar o quarto do bebê ao tratamento diferenciado nas escolas e, consequentemente, à reprodução desses estereótipos que serão inevitavelmente ensinados ao seu filho na escola e mesmo em espaços familiares mais amplos. Nesse caso, por ora, não tem jeito mesmo, ele vai ouvir uma hora da vida que meninas brincam de boneca, gostam de balé, são mais doces e essas coisas todas e meninos brincam de bola, gostam de esportes e são mais fortes. A questão que fica é: o que fazer quando isso acontecer?

Bem, como mãe, percebi que minha parte nessa luta era criar um filho pronto para responder nesses momentos e, quando ele mesmo recaísse nessa reprodução, ouvir e refletir sobre isso. Meu filho não é O exemplo da criança com a criação mais libertária do mundo, longe disso. Minha família e a do pai dele são famílias tradicionais, apegadas a valores religiosos (e essa é uma outra briga constante na criação dele, pra um outro papo longo que ao mesmo tempo tem tudo a ver com esse papo aqui) e que reforçam a todo tempo os estereótipos de gênero ao lidar com suas crianças. É desgastante ter que repetir a cada reunião, "sim, ele pode brincar de boneca", "não, ele não gosta de futebol", mas precisamos ter forças pra continuar fazendo isso. Parece chato, repetitivo e é mesmo. O mesmo acontece com a escola, o mesmo acontece nas interações com outras famílias tradicionais que inevitavelmente surgirão no convívio da sua criança.

O que eu sempre faço com ele é dialogar para que ele mesmo, ao longo da vida, não naturalize esses papéis sexuais socialmente impostos. Então, não é incomum que ele mesmo corrija os adultos ao redor dele quando esses fatos acontecem. Ele já vai fazer 9 anos e já tem bastante autonomia pra questionar essas atitudes. Já ouvi ele dizendo pra priminha mais nova, "você pode gostar de azul sim, você pode gostar da cor que quiser". E ele já teve problemas na escola por não acertar um dever onde ele deveria circular os brinquedos de meninos e fazer um X no de meninas, se recusou a fazer o dever como a professora queria e eu tive que ir lá brigar por ele.

Resumindo o que eu gostaria de dizer aqui, por mais cansativo que seja estar reclamando na escola o tempo todo e ficar vigilante com os adultos que cercam seu filho para que eles não prejudiquem a formação dele, aos poucos, quando a criança vai crescendo ela mesma vai refutando quando isso acontecer. Nem sempre, claro, porque ela é uma criança e vai acabar ouvindo e reproduzindo algo equivocado aqui e ali, por isso a vigilância constante nunca acaba. Mas uma educação que conteste sempre os estereótipos de gênero vai fixando lugar na cabeça da criança, que não verá nada de natural quando ouvir "você tem que gostar de azul" e que ao longo da vida, com cada vez mais autonomia, fará ela mesma a escolha de se recusar a esse papel. No fundo, acho que a gente dá essa educação e fica torcendo pra dar certo, porque certeza de que dará, não temos não... rsrs

Enfim, espero que isso possa ajudar outras mães que, como eu, enfrentam meio às cegas esses desafios que se apresentam. Espero que ajude também outras pessoas a repensarem suas relações com as crianças e como pequenos gestos podem ser prejudiciais para a formação dos pequenos. Todos somos responsáveis pelas crianças quando dividimos o ambiente com elas. Então, tenhamos responsabilidade ao tratar com elas e com o que vamos dizer a elas. É questão de bom senso. Mais ainda, a educação das nossas crianças é uma questão política.

Texto postado originalmente aqui, em 21/07/2016 (quando meu filho ainda ia completar 9 anos).

Tomei a liberdade comigo mesma de adaptar algumas partes.

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Tamy Monteiro
Revista Subjetiva

professora, militante feminista radical, apreciadora de cervejas, cafés e livros.