sobre olheiras e distopias

Tristan
Revista Subjetiva
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2 min readMay 27, 2020
Imagem: Arquivo Pessoal

Quarentena, dia 56. A mesma rotina dos cinquenta e tantos dias anteriores, com a mesma força de vontade que um bicho preguiça tem. Não sei se de desmotivação, impotência, impaciência ou de todos eles. Ansiedade já elevada, sendo levada pelos cantos da casa com um prato de algo não-saudável nas mãos e um fone nos ouvidos pra abafar o barulho ao redor. Seja da vizinhança agitada ou das turbulências internas.

Se torna constante o sentimento de desgaste a cada notícia lida, a cada distorção da realidade fictícia que de fictícia não tem nada. Desgaste por atos alheios, de gente sem freio que não tem a mínima responsabilidade ou empatia alheia. Números que não são apenas números, que se colidem com o pior desfecho possível desse cenário.

Falar de caos já se tornou tão natural quanto ver a noite virar dia. Seja por insônia, obrigação ou perturbação. Moldar o equilíbrio entre o mundo interno e o externo acaba por se tornar um trabalho em vão, quando a linha tênue entre os dois é praticamente inexistente. Não existe isolamento social enquanto o mundo social não pode parar. Desigual, inclusive. É um movimento constante, seguido de um ciclo ininterrupto. Ou pior, interrompido apenas quando os aparelhos desligam. E eles seguem desligando.

Noites em claro sendo resumidas à procura de algo para se entreter, já que oito horas de sono chega a ser utópico. A rotina do mundo real que se esbarra com o virtual, fazendo dessa a fórmula da distração que ajuda, mas em contrapartida dificulta e atrapalha. E por aí, as válvulas de escape que são diversas. Num ao vivo de pretensões, correntes e mensagens com N interpretações. Todos compartilhando do mesmo desejo, mesmo que com finalidades distintas.

E são nas crises existenciais e no grande ponto de interrogação do que vem a seguir, que se encontra a narração do sujeito onipresente. Que se questiona, duvida e não exerce nenhum poder além da espera.

Que venha o 57° dia e a próxima manchete do jornal, enquanto as olheiras não somem.

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Tristan
Revista Subjetiva

Distribuição gratuita de mágoas, receios e frustrações. E talvez um quê de ironia da vida.