Sociologia de uma crise existencial — Parte II

Sociologia do absurdo
Revista Subjetiva
Published in
5 min readApr 17, 2017
Por Issa Fakhro.

“Trazer à consciência os mecanismos que tornam a vida dolorosa e, até mesmo, impossível de se viver, não é neutralizá-los; revelar as contradições não é resolvê-las. Mas, por mais cético que se possa ser sobre a eficácia social da mensagem sociológica, não se pode considerar nulo o efeito que ela possa exercer quando permite, ao menos àqueles que sofrem, descobrir a possibilidade de imputar seu sofrimento a causas sociais e, assim, de se sentir desculpados. Essa constatação, apesar das aparências, não tem nada de desesperadora: o que o mundo social fez, o mundo social pode, armado desse saber, desfazer”.

Pierre Bourdieu.

Começo o texto com uma citação do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930–2002), que explicita a teoria social como uma possibilidade de desculpar-se socialmente por si mesmo. Até aqui, na minha vida, a sua teoria sociológica tem ajudando na condução dos trabalhos acadêmicos e existencialistas.

Para escrever esse texto, peço desculpas, mas, forçarei um pouco a barra, e usarei a teoria sociológica do Bourdieu na reflexão que será apresentada nesta segunda parte. Pretendo concluir a discussão que iniciei aqui: Sociologia de uma crise existencial — Parte I. E deixar aberto o campo de debate e discussões com você, caro leitor/a.

Mesmo que sendo utilizado de maneira vulgarizada, a teoria social do Bourdieu, é uma sincera tentativa de tornar um pouco mais claros os interesses e objetivos por de trás daquilo que escolhi chamar de “Sociologia de uma crise existencial”.

Pierre Bourdieu ( 1930–2002).

A crise existencial pode ser vista como forma uma incorporação de um capital que se acumula na interior da nossa consciência e também se materializa em nosso corpo. Esse capital, que não necessariamente é econômico, é fundamental para o desenvolvimento das relações entre individuo e sociedade.

Denominado por Bourdieu, como capital cultural, ele é herdado ou aprendido no processo de socialização que ocorrem no interior das instituições sociais. Ele pode ser prestigiado, valorizado, desprestigiado e desvalorizado. Sendo aprendido de maneira eficiente ou precarizada.

A família e a escola são duas instituições sociais responsáveis pela reprodução e socialização do capital cultural. Ele se manifesta dos pequenos gestos e gostos, como por exemplo, o fato de gostar mais de literatura francesa do que literatura russa. Ou de escrever e falar “bem” o português. Entonação da voz e vocabulário e até mesmo, a utilização do corpo para práticas esportivas. Defendo a ideia de que o capital cultural alimenta uma crise existencial. Já que tomo como verdade que o sofrimento é socialmente aprendido.

A crise existencial como uma forma de se localizar no espaço social, configurado dentro de um campo de possibilidades de jogo. Onde o capital cultural é o que torna o indivíduo mais apto ou menos apto a disputa do jogo social. As regras que organizam o jogo da vida em sociedade são (mais ou menos) invisíveis e inconscientes. Ou seja, aprendemos a jogar o jogo de forma inconsciente e contra nossa vontade individual.

Dessa forma, o espaço social é uma realidade invisível, abstratamente real e concretamente invisível. Na qual os indivíduos desenvolvem as suas representações sociais diante de uma realidade que é sempre relacional (indivíduo/sociedade, forte/fraco, sagrado/profano, alegria/tristeza, vida/morte, bom/ruim, feio/bonito, alto/baixo, existência/não-existência). É partir da relação, e somente dela, que o indivíduo consegue atribuir sentido e significado as suas escolhas e práticas dentro espaço social.

Para mim, a crise existencial configura-se como uma campo de disputas e possibilidades. Percebo que a vida, ou a existência, possui um mecanismo de classificação social e uma hierarquia dos gostos (e sofrimentos) que tem por objetivo criar distinções ou diferenças entre os participantes do jogo, os indivíduos. Assim, o espaço social é estruturado a partir da reprodução (ou criação) daquilo que torna a vida ou o jogo possível de ser suportado (ou jogado), o capital cultural. Neste caso, a crise, seria as causas e consequência desse jogo. Seus efeitos na saúde mental dos indivíduos são mais ou menos devastadores.

A existência, para a Sociologia, é vista como a incorporação de determinadas estruturas objetivas da sociedade, aonde os esquemas da ação são legitimadas (ou não-legitimadas) por aqui que Pierre Bourdieu chama de habitus.

Habitus, é uma espécie de senso prático da realidade que aprendemos cotidianamente que, no caso da crise existência, insiste em negar a se adaptar ou aceitar a vida ou as regras do jogo social.

A crise existencial pode significar (ou significa) que o indivíduo não necessariamente não sabe o que fazer da vida. Na verdade, o que se percebe é que o “universo de configurações possíveis” impostos pelas estruturas e disposições sociais dominantes (aquilo que a pessoas consideram por “correto”, “certo”, “legal”, “normal”) lhe causam essa sensação de crise permanente. Dificultando o indivíduo de “viver” e participar da vida coletiva.

O habitus é uma violência. Toda forma de conhecimento ensina ou aprendido pelos indivíduos, é uma forma de violência simbólica. A vida em sociedade é uma violência simbólica.

“Plastic Roses” por Tsoku Maela.

A violência simbólica é uma poderosa e pequena agressão que nós, seres sociais, sentimos em determinados momentos ou contexto de vida. Ela machuca a alma. Fere de morte a nossa dignidade. Talvez em outras pessoas, essa violência passe despercebida. Em outras, cause pânico, ansiedade, depressão e morte.

Defendo que, a crise existencial é uma das formas que o corpo, toma consciência dessas violências. Que num primeiro momento, são mais sentidas, do que, compreendidas. Neste caso, a crise é um sintoma das opressões cotidianas imposta pela estruturas sociais aprendidas por meio da incorporação do capital cultural.

A Sociologia da crise existencial pode ser capaz de produz especulações sobre os elementos sociais que estruturaram o sofrimento social que afeta a consciência individual. A especulação, ou melhor, essa imaginação sociológica é uma valiosa possibilidade para compreender a dinâmica do sofrimento social que nos atinge.

Ao compreender o sofrimento é também abrir uma possibilidade de cura. Pensar a crise existencial a partir da Sociologia é também uma oportunidade de nos sentirmos desculpados. A dor que a sociedade produziu. Pode ser curada por essa mesmo sociedade.

A crise existencial é uma chance de mudança. A Sociologia ajuda a explicar “o quê é” e “por quê” ela nós atinge e “como” podemos conviver com ela, sem sofrer em demasia.

Não consegui concluir os objetivos e o texto terá que continuar. Terá uma “Sociologia de uma crise existencial — Parte III”.

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