Suposições

Às vezes é preciso abandonar o cardume

Regiane Folter
Revista Subjetiva

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Às vezes é preciso levantar a voz, mesmo que ela trema.

Às vezes você supõe que eu sou boba. Tolinha, de pouco bom senso, avoada. Não sei bem porque, mas percebo traços de superioridade na sua voz.

Às vezes você pensa que eu não sei das coisas, que não conheço o mundo. Suas palavras menosprezam a minha experiência, como se teus poucos anos a mais te fizessem tão mais madura e eu tão infantil.

Às vezes você acha graça do meu sotaque e parece prestar mais atenção em como eu pronuncio as palavras do que no que eu tenho pra dizer.

Às vezes você responde perguntas que nunca fiz e resolve me explicar até mesmo o que eu já sei.

Às vezes você duvida das minhas certezas e questiona cada uma das minhas afirmações, como se eu estivesse em um tribunal distorcido no qual fosse culpada até provar o contrário.

Às vezes você ri das minhas roupas, do meu cabelo, do meu corpo. Às vezes você olha para mim e tudo o que vê é a sua percepção do meu gênero.

Às vezes você acha que tá tudo bem em me criticar sem cuidado porque somos família. E se eu reclamo, você se surpreende com minha sensibilidade exarcebada. Será que estou naqueles dias?

Às vezes você quer me ensinar a ser, sentir, pensar o mesmo que você. O diferente é inaceitável e eu sinto dó da tua existência generalizada.

Mas sinto mais dó de mim mesma.

Às vezes esse “você” de quem falo é uma amiga, um colega, alguém próximo de mim ou alguém que não conheço realmente. Às vezes não é ninguém além de mim mesma, do fantasma que criei dentro de mim a partir dos preconceitos e doutrinas que acumulamos nessa vida. Às vezes consigo me libertar rapidamente dos julgamentos, decido deixar pra lá.

Às vezes é mais difícil e passo dias pensando no que aconteceu, em como me senti, no que deveria ter dito ou feito na hora. Semanas remoendo aquela culpa amarga por não ter sido forte o suficiente, nem feminista o suficiente, nem suficientemente fiel aos meus valores. Calei frente a uma situação na qual deveria ter feito todo o barulho do mundo.

Às vezes me torturo com pensamentos assim até o tempo fazer o seu trabalho de ir desbotando as memórias. Outras coisas acontecem e termino seguindo em frente. Às vezes consigo digerir tudo mais rápido e me perdôo antes de deixar o arrependimento se instalar. O mais difícil ainda tem sido perdoar as outras pessoas.

Algumas dessas vezes, quando você me fez sentir como um peixe fora d’água, geraram marcas que ficaram em mim para sempre. Lembranças que ainda hoje consigo reviver com todos os detalhes que me deixam triste ou ansiosa. Outras vezes, me esqueci do que aconteceu. Ainda bem. Talvez nesses casos eu simplesmente tenha mergulhado de volta pro mar, confiante de que ele também é meu lar, mesmo que eu seja um pouquinho diferente do cardume.

Às vezes é preciso trocar de tribo pra gente se sentir mais aceita. Às vezes é preciso levantar a voz, mesmo que ela trema. Com cada palavra dita, com cada emoção verbalizada, minha voz se torna mais forte. Às vezes tudo que enxergam em nós são suposições. Cabe a nós acreditar nos universos multicoloridos que somos e deixá-los visíveis para o mundo todo ver.

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Regiane Folter
Revista Subjetiva

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