Temporário eu, permanente eu.

Eliel Oliveira
Revista Subjetiva
Published in
3 min readNov 23, 2021

A linha tênue entre ser e estar.

Cena do filme “Hamlet” (1948)

“To be, or not to be, that is the question.”

Esta célebre frase do maior escritor de língua inglesa de todos os tempos, William Shakespeare, já foi objeto de estudo inúmeras vezes, pelo simples fato de ela exprimir sentimentos tão complexos com poucas palavras. O verbo “be” pode ser interpretado com ser, estar e até mesmo existir. Então, é comum questionarmos qual teria sido a real intenção de Hamlet ao expressar tal frase, se ele se referia ao fato de estar naquela situação ou de ser quem ele era, ou ainda, se a sua existência não fazia mais sentido para ele. Qual o motivo para tamanha ambiguidade quando se trata de um verbo tão simples? Para a nossa sorte, isso não acontece no português.

Ser alguém implica que temos uma identidade imutável, que permanece conosco desde o dia em que nascemos. São características que determinam o nosso fenótipo (traços físicos) e genótipo (estruturas genéticas) — o que constrói a nossa noção do que é um “ser humano”. Já a nossa personalidade e comportamento vão sendo moldados à medida em que sofremos interferências do meio em que estamos — pessoas, experiências (positivas e negativas), aprendizagem, entre outras. Desta forma, poderíamos dizer que existe uma parte de nós que está em constante mudança, e que não deve ser considerada quem “somos”, mas sim quem “estamos sendo”. É temporária, flexível e permeável. Mas é possível identificar e diferenciar esses nossos “eus”? Vejamos.

A questão é que aprendemos a valorizar certos rótulos desde a infância. Os diversos termos que são atrelados à nossa imagem às vezes são tidos como verdade. Internalizamos o que foi nos dito e acreditamos que, de fato, “somos” isso. É claro que outros fatores devem ser levados em consideração aqui - autoestima, insegurança e medo, por exemplo. Mas nesta fase ainda estamos desenvolvendo a nossa ideia de quem somos, e levamos muito em conta o que os outros pensam de nós, pois há uma extrema dependência por validação social e pertencimento.

Ao chegar na vida adulta, no entanto, alguns indivíduos encontram uma certa dificuldade para romper a barreira entre o “eu” que disseram que eles eram para o “eu” que eles realmente são (segundo eles mesmos). Vale ressaltar que a nossa percepção sobre quem somos é única, e deve prevalecer sobre qualquer outra.

O que os outros pensam de você pode ser importante até um certo momento, mas só você se conhece o suficiente para poder determinar quem você é ou almeja ser. Esse “eu” permanente é a sua essência, responsável pelo seu diferencial enquanto ser humano. Ele é preservado à medida que você faz as suas escolhas baseadas nos seus valores mais intrísecos.

Já a pessoa que “estamos sendo” nas diversas situações do dia-a-dia pode ser vista como uma variável inconstante — ora triste, confusa, falha, ou feliz, equilibrada, motivada (e até mesmo indiferente). É uma questão de escolha, e vai depender do quão seguros estamos dentro daquilo que somos. O seu “eu” temporário precisa estar alinhado ao seu “eu” permanente e estabelecer uma boa comunicação com ele.

Assim, a convicção e a aceitação da sua própria identidade te torna uma pessoa resiliente, equipada para lidar com desafios ainda maiores no futuro. Mas lembre-se: é uma questão de escolha. Você quer se conhecer?

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