Tormenta.
Parte de mim é o ar quente que sobe e a outra é o ar frio que desce, sou um conglomerado de gotículas condensadas sobre tudo que sou, o que vejo e o que sinto.
Há dias que você só conseguirá me encontrar se olhar para o céu, lá estarei suspenso me movimentando sem rumo, dependendo da ocasião estarei branco como algodão ou, o mais recorrente, disposto em variados tons cinzentos.
Determinadas coisas eu não posso evitar e uma delas é essa minha louca e desenfreada capacidade de absorver as partículas ao meu redor… Me torno cinza com muita facilidade e logo vou escurecendo gradativamente.
Quando noto estou completamente escuro e cubro o céu com o meu tamanho, dentro de mim só é possível escutar uma intérmina agitação de partículas, cada uma representando um momento que tomei para mim subitamente. Escuto todas essas vozes dentro de mim de uma só vez, uma sobrepõe a outra e sinto como se todas as memórias se alinhassem e ocorressem ao mesmo tempo, tampo os ouvidos violentamente com as mãos, contudo apenas pioro o processo.
A agitação aumenta de tal modo dentro de mim que me perco dentro da minha escuridão e todos os meus sentimentos disparam sem meu consentimento, você primeiro escuta meus estrondosos ruídos, depois meus feixes de luz e por fim meus imprevisíveis raios que partem em direção a terra.
Quando chego ao meu limite me torno Tormenta… A minha extremidade… O sinal de que cheguei aos confins das minhas capacidades e que não consigo mais suportar tudo isso.
Então eis que chega o momento em que fecho os meus olhos lentamente e vou me desconectando de tudo isso… Preciso mandá-los embora… As memórias não podem ser eliminadas (elas sempre voltam), mas posso me libertar delas por um tempo e no momento é tudo que preciso.
Ao som de violentas trovejadas e relâmpagos que clareiam o céu, eu me dissipo em centenas de milhares de pequenas gotículas de água e me jogo em direção ao chão, começo leve como uma garoa e vou aumentando o fluxo cada vez mais forte… Mais forte.
Sinto um alívio dentro de mim a cada rajada que contorna o céu e se choca com a superfície, lá embaixo vejo de relance as pessoas correndo, se escondendo e abrindo seus guarda-chuvas… Todas se esquivam de mim da maneira que podem.
Sem mais nem menos abro os olhos e percebo que não há mais nada ao meu redor, apenas o vento úmido que afaga meu rosto e me dá uma sensação de paz como nunca… As nuvens carregadas se foram e agora o que resta é aquela frio que arde na pele e me força a permanecer aquecido por dentro.
Estou encharcado e o vento gélido me faz tremer levemente, finalmente não estou pensando em nada e me vejo livre de mim mesmo por um tempo limitado.
Ser Tormenta cansa, contudo não há muito que fazer a respeito…
Meu coração é o relâmpago que espanta a escuridão da noite.
Minha alma venta dentro de mim.
Certamente irei desaguar em algum lugar, mas ainda não sei onde.