Trânsito — Selvageria Urbana #2

Alvaro C. Adriano
Revista Subjetiva
Published in
6 min readJun 6, 2017
pixabay

Costurando entre os carros, em alta velocidade, ele vinha pedalando cada vez mais rápido, fazendo a bicicleta modelo BMX virar uma serpente que se esquivava dos carros com maestria natural, em uma estrada urbana em que o limite de velocidade era de 60Km/h, mas isso não o incluía, pois seu motor era biológico e não mecânico e o combustível era sua boa forma física do corpo adolescente, que ainda tinha muito para dar e se desenvolver.

Tudo corria fantasticamente bem, a adrenalina o fazia se sentir o maioral, mas subitamente um motorista que digitava mensagens no celular se distrai e o fecha, fazendo com que ele fosse jogado para o carro do lado. Então ele bate na porta do carro ao lado, mas não consegue ver o condutor do mesmo, pois os vidros eram com película fumê.

Então ele faz um gesto se desculpando, mas se apressa para pegar de volta a bike, pois apesar da brusca fechada, a queda foi leve. Segundos depois ele continuava o seu trajeto. Mas o motorista do carro em que ele se jogou não gostou muito da ideia.

O susto que levou foi tão grande que ele ficou paralisado por alguns segundos, já que ali era uma região perigosa, com assaltos rotineiros. Quando ele voltou ao normal, viu aquele adolescente se exibindo, quase que bailando com a BMX, que mais parecia extensão de seu corpo.

Bem ali de frente dele, esperando o sinal verde, enquanto os outros carros que vinham na perpendicular iam passando.

O adolescente que estava de capuz e óculos escuros pedalava de um lado para o outro, mas com os olhos fixos no semáforo e ansioso para o tão esperado sinal verde.

O condutor do carro se enfurecia e ficava impaciente com aquele episódio que estava chato ao seu paladar de classe média alta.

Então de dentro do carro ele fala sozinho, visivelmente nervoso:

— Vou ver o que este filho da puta fez no meu carro. Se tiver um risco na porta juro que o mato agora mesmo, passo por cima dele e que Deus me perdoe.

Mal acabou de falar, abaixou o vidro, tirou a cabeça pela janela para ver o que tinha acontecido com a sua porta. Ficou chocado com o que viu, pois a porta estava ligeiramente amassada.

Novamente pensou alto:

— Puta merda, esse carro nem é meu e já me estragam a porta!

Então se encheu de raiva e ódio. Em fração de milésimos de segundos tomou uma decisão e já começou a pô-la em prática: esperou o ciclista nas idas e vindas dele de uma lado para o outro e quando este ficou bem no centro do seu carro, acelerou com tudo, acertando-o em cheio, o impacto o jogou para o centro do cruzamento quando do outro lado da rua vinha um outro condutor em alta velocidade que o atropelou, passando por cima dele com tudo, sem parar para prestar socorro e fugiu.

O condutor do carro de vidros fumês também decide fugir, mas não consegue, porque o condutor do outro carro que estava a digitar no celular e que tinha fechado o adolescente antes sem ver, agora de modo intencional e para impedir que o condutor do carro infrator fuja, pára no cruzamento, descendo do carro e pedindo ajuda para outros condutores não o deixarem fugir.

Simultaneamente ele perguntava:

— Tem algum médico aí, parece que este jovem ainda está vivo, pois está a se mexer.

O condutor infrator sai do carro nervoso e começa a gritar:

— Seus filhos da puta, protetores de vagabundos ladrões, saiam da minha frente, se não eu mato vocês também, seus merdas.

Em seguida, começa uma briga generalizada, uns contra o homem que atropelou o adolescente, outros a favor do homem dizendo frases do tipo:

— Bandido bom é bandido morto… Bem feito pra esses merdinhas, são o nosso inferno no trânsito.

O clima foi ficando cada vez mais tenso e o número de curiosos foi aumentado, numa escala exponencial.

Em meio a briga o condutor do carro grita:

— Vou ver se este merda morreu… E se não morreu, eu acabo com ele de uma vez por todas e o problema fica resolvido.

Automaticamente se forma um cordão para defender o rapaz que estava jogado no chão agonizando e sangrando. Mas o grupo que estava a favor do condutor era maior, então aos poucos o cordão se rompe e o homem chegou perto do adolescente e lhe deu um pontapé na já quebrada perna dele. O jovem apenas deu aquele último grito de dor, quase sem voz:

— Ai…

Em seguida virou a cabeça na direção do condutor que tinha acabado de o pontapear. Com os olhos meio abertos, um pouco ensanguentados direcionados para a cara dele, mas era tarde toda a energia, estava a escorrer junto com o sangue que jorrava fortemente como uma cachoeira, assim ele desmaiou.

Subitamente o homem começou a chorar e a gritar:

— Não, não! Meu Deus, não! Por quê fazes isso comigo?

Homem que estava bem atrás dele, pergunta:

— O que foi? O que aconteceu?

— Meu filho, matei meu filho sem saber. — Respondeu o condutor desacreditado.

— Como assim? Não pode ser… Confirma bem. — Retrucou o homem que estava atrás.

— É ele, conheço bem o meu filho!

Então ele se ajoelha e começa falar com seu filho:

— Léo, a esta hora deverias estar na escola, o que fazes aqui nesta região?

Uma mulher que estava no cordão que pretendia defender o jovem Léo, se abaixou, começou a observar os sinais vitais e gritou:

— Ele ainda está vivo, mas precisa ir urgentemente para o hospital.

O pai desesperado o tira do chão, ignorando os alertas dos presentes em não o mexer, pois o certo é esperar a ambulância chegar.

— O certo seria eu não empurrasse o meu filho para ser atropelado por uma homem que nunca vai pagar pelo o que fez.

Em seguida, coloca o jovem Léo no banco de trás do carro e a mulher se oferece para ir junto ao hospital e o condutor que tinha bloqueado o seu carro se compadece e retira o carro. Então ele sai em disparada para o hospital. Chegando lá, ele começa a correr pela corredores a procura de médicos para atender seu filho que cada vez mais se reduzia a chance dele sobreviver aquele trágico acidente, deixando no chão do hospital as marcas de sangue registrando a tragédia.

Pouco tempo depois aparece a equipe médica levando o jovem Léo para o bloco operatório.

O pai fica pelos corredores sem saber o que fazer, tentava rezar, orar e se desculpar, tudo em simultâneo sem conseguir fazer nenhum.

Alguns minutos depois a médica de plantão voltou, aumentando a ansiedade do pai para saber o estado do filho.

— O senhor é o pai? — Perguntou a médica.

— Sim, sou sim! — Ele respondeu.

— Então tentamos de tudo, mas seu filho perdeu muito sangue e infelizmente não sobreviveu.

— Meus pêsames, senhor!

Era como se essas palavras viessem como facas, que cortavam a sua alma várias vezes e as feridas o fizessem lembrar de seus atos em momentos de raiva, consequência da decisão tomada no alto da fúria e que em fração de segundos tinha arruinado o que mais amava na vida. Matando o seu filho único que educava com muito zelo por ser pai solteiro, mas extremamente presente e prestativo.

Um toque no ombro o chamou de volta para a realidade. Era um policial, que anunciou:

— O senhor está preso, vire-se por favor.

Enquanto ia sendo algemando, ele apenas comentou:

— Pessoas boas também matam e anjos também morrem!

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Alvaro C. Adriano
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Sonhador, Escritor Sem Obra, Atleta Da Vida, Artista em construção!