Trump abandonou o Acordo de Paris… e o mundo não vai acabar.

Andre Mazzetto
Revista Subjetiva
Published in
7 min readJun 16, 2017

Recentemente, o presidente dos EUA, Donald Trump, adicionou mais um ponto a sua já longa lista de polêmicas. O republicano removeu os EUA do Acordo de Paris, um tratado mundial que rege a redução das emissões de gases do efeito estufa a partir de 2020. De acordo com ele:

“Para cumprir meu dever de proteger a América, os Estados Unidos vão se retirar do Acordo do Clima de Paris e começar renegociações para reentrar no acordo de uma forma que seja justa com o povo americano.”

Este é um momento crucial e temos que analisar com calma esta fala. Trump ficou famoso no Twitter ao dizer que as mudanças climáticas (que ele insiste em chamar de “aquecimento global”) são um boato. Já há um consenso entre os especialistas no assunto que nós temos uma influência direta nas futuras mudanças climáticas. O Acordo de Paris, assinado por 195 países, mostra que também já há um consenso entre líderes mundiais.

Aqui é necessária uma explicação semântica: consenso é uma coisa, unanimidade é outra. Alcançar uma unanimidade é algo extremamente difícil em qualquer assunto. Para alguém que zombava das mudanças climáticas, Trump já acena com “recomeçar as negociações para reeentrar no Acordo”. Como diria um outro político americano polêmico (mas esse é da ficção), o meu malvado favorito, Frank Underwood:

“Não é possível transformar um “não” em um “sim” sem um “talvez” no meio.”

Imagina esses dois juntos…

O Acordo de Paris é histórico em vários sentidos, mas será que Trump é mesmo um grego entre os romanos? Estaria ele errado em negar a participação do seu país? Como não há um governo mundial (ainda bem, diga-se de passagem…), os países podem escolher se devem participar ou não de tratados internacionais. É possível concordar que nós temos influência nas mudanças climáticas e não aceitar as políticas propostas.

Os Acordos anteriores

O Acordo de Paris é a vigésima segunda reunião sobre o clima. Tudo começou em 1992, no Rio de Janeiro, onde 154 países assinaram um Acordo para estabilizar a concentração de gases do efeito estufa na atmosfera. Na época a concentração de dióxido de carbono era 356 partes por milhão (ppm). Depois do encontro no Rio se iniciaram as “Conferências das Partes” (COP), com a primeira reunião acontecendo em 1995, na Alemanha. Talvez a mais famosa foi a de Quioto (COP 3) em 1997. Desde a primeira reunião, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera subiu de 356 (em 1992) para 410 (2017).

Apesar de mais de duas décadas de negociações multilaterais, ainda não conseguimos produzir uma resposta efetiva à ameaça das mudanças climáticas. Todos estes Acordos e encontros foram passos em frente, mas nem o nível de redução de emissões alcançado, nem as normas internacionais estabelecidas conseguiram até agora arranhar a superfície do desafio proposto. Não há ação, apenas promessas. Os fatores domésticos (políticos, econômicos, técnicos e outros), tem uma influência muito maior nas políticas climáticas dos países do que o simples compromisso de cooperação internacional.

É improvável que os países cumpram seus compromissos. Outros encontros também estabeleceram metas, como o Protocolo de Quioto (COP 3, 1997). Os países que tiveram melhor desempenho foram os do antigo bloco soviético, mas o motivo não foi o esforço em “salvar o planeta”. A economia destes países entrou em queda livre nos anos 2000 e uma grande quantidade de fábricas fechou. Voilà: a emissão de dióxido de carbono caiu.

Acordos climáticos possuem uma aura mágica, que faz com que as pessoas pensem que medidas estão sendo tomadas para evitar o agravamento das mudanças climáticas, o que quase certamente não é o caso.

O que fazer? Eficiência e novas tecnologias para energia

Os combustíveis fósseis continuarão a ser queimados se continuarem como a opção mais barata. A tecnologia da energia evolui mais lentamente do que qualquer outra tecnologia em nossa sociedade. A transição da madeira para o carvão começou no século XVI e ainda hoje há países queimado carvão, como a China e a Índia.

Acho que o primeiro passo é usar de forma mais eficiente e segura as tecnologias que estão disponíveis hoje. Ente elas está (se segura na cadeira aí…) a nuclear. A energia nuclear é limpa e, se tornando segura, é uma grande opção para o futuro.

Shangai — Uma cidade nas nuvens (parece romântico, mas é só poluição mesmo) (leniners/Flickr)

Depois de utilizar mais eficientemente as tecnologias disponíveis, temos que passar para o desenvolvimento de novas. Isso não depende de Acordos mundiais, mas sim de inventores e empreendedores dispostos a enxergar o setor energético como uma fatia (generosa) do mercado. Se segure na cadeira de novo (se é que você se levantou): quem vai ajudar a salvar o mundo é o capitalismo selvagem.

Veja o exemplo de Elon Musk, dono da Tesla (e outras companhias): ele melhorou o carro elétrico e surgiu com a ideia da telha com painel solar acoplado, que está sendo desenvolvida para custar o mesmo ou mais barato do que uma telha comum. Você terá na sua casa um telhado que gera energia suficiente para a casa e o seu carro. Se sobrar energia, ainda terá uma bateria dentro da casa para armazenamento. Hoje o preço, tanto do carro quanto da telha, são elevados, mas você deve lembrar do preço de uma TV tela plana quando foi lançada… Veja hoje.

Com duas ações simples e integradas, Musk está resolvendo o problema dos combustíveis, da energia doméstica e vai ficando (ainda mais) rico no processo. Elon Musk é o pioneiro, e quando o mercado descobrir que isso dá dinheiro, você sabe o que acontecerá: todo mundo começará a investir, querendo ganhar mais dinheiro. Dá para ficar bilionário sendo ecologicamente correto… Não tem problema.

O telhado, a bateria e o carro: este é Elon Musk, ajudando a resolver o problema (e ganhando dinheiro no caminho).

A partir do momento que as tecnologias ditas “renováveis” (que é um conceito polêmico) ficarem mais baratas do que os combustíveis fósseis, elas serão utilizadas em larga escala pela população, não só por quem concorda com nossa influência na mudança climática, mas todo mundo mesmo.

Imagine um cara que acha que esse negócio de mudança climática é coisa de comunista. Na hora de construir sua casa ele percebe que a telha solar tem o mesmo preço da comum, com o benefício de gerar energia para sua casa, reduzindo os gastos. Aí ele vai comprar um carro e vê que o elétrico, que pode ser abastecido pela telha, custa o mesmo que o outro que usa gasolina. Até o maior adepto das teorias da conspiração comprariam os “renováveis”, porque, no fim das contas, vale a pena financeiramente.

“Ah André, mas você está pensando apenas na parte financeira, e a consciência global?”

Infelizmente a maioria das pessoas vai pensar financeiramente. É por isso que estas tecnologias terão que se tornar mais baratas. O governo poderia ajudar reduzindo os impostos relacionados à energia renovável, mas não poderia fazer muito mais do que isso.

O que fazer? Ações locais

Existem basicamente dois tipos de abordagens possíveis:

“top-down” (multilateral, associação mundial, como as COP);

“bottom-up” (minilateral, associação de poucos países, algumas vezes até unilateral).

As pessoas que estão realmente preocupadas com a redução das emissões em todo o mundo precisam enfrentar o fato de que os acordos internacionais (top-down) em que não há um mecanismo de “punição” aos países que não cumprem o combinado não vão funcionar. Precisamos de ações locais, que tem consequências maiores (bottom-up).

Não é necessário o compromisso do país como um todo. Estados e regiões pequenas podem agir localmente, contribuindo de forma mais eficaz do que políticas federais. Trump pode ficar fazendo birra como uma criança mimada e dizer que não participa do Acordo, mas dentro do seu próprio país já foi iniciada uma “rebelião”.

Três dias depois do anúncio da saída dos EUA, nove estados americanos formaram a “Aliança dos Estados Unidos para o Clima”, uma ação local. De forma independente, 187 prefeitos também assumiram compromissos, entre eles os prefeitos de grandes cidades, como Los Angeles, Boston, Nova York e Chicago.

Conclusão

A mitigação da mudança climática requer investimentos a curto prazo, mas os benefícios da estabilização do clima global só serão concretizados a médio e longo prazo. Enquanto estes benefícios não são visíveis, precisamos de algo para fazer com que a população (acreditando ou não na mudança climática) contribua. A economia é o melhor caminho a curto prazo.

Paris foi um evento marcante, mas não “corrigiu” o problema climático. Nem espere que um Acordo futuro fará isso. A boa notícia é: a diplomacia internacional finalmente alcançou o consenso do problema das mudanças climáticas. Ver que existe um consenso entre cientistas e líderes mundias sobre as causas das mudanças climáticas é o grande trunfo de Paris.

Em 1928, representantes de quinze países reuniram-se na capital francesa e assinaram o Tratado Geral de Renúncia da Guerra. Este acordo procurou proibir a guerra como meio de resolver disputas territoriais. Todo mundo ficou feliz, acabava de se iniciar uma época de paz. Em 1933, sessenta e cinco países concordaram em cumprir o acordo. Havia apenas um problema: não existia um mecanismo de execução do tratado. Apenas seis anos depois, em 1939, começava a Segunda Guerra Mundial.

Trump não manda nem no país dele direito, imagine no mundo. Obrigado à Paris pela relevância e por divulgar cada vez mais o debate sobre as mudanças climáticas, mas nem Paris resolverá, nem Trump boicotará. Energia limpa, ações locais e (melhor comprar uma cadeira nova…) o capitalismo selvagem resolverão o problema.

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Andre Mazzetto
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Biólogo, um cientista que não é movido a café. Entusiasta da Ciência e da Educação. Editor e autor do blog Ciência Descomplicada.