Um Intruso no Canteiro
Sobre cuidar de canteiros emocionais.
13h13.
O sol está a pino enquanto rabisco um caderno sem pauta e me encontro sentado no seu jardim.
Me perco no tempo toda vez que venho aqui. Sei que hoje é sábado e… só.
É como se, ao cruzar o portão do jardim, as minhas memórias fossem desativadas temporariamente.
Não posso reclamar deste alívio.
Você chega com uma caixa de papelão e me pede ajuda para replantar algumas mudas no canteiro e percebo que há uma fileira branca cheia de plumas.
Você aponta a tesoura para elas, te pergunto o que aconteceu, e você, com toda a calma do mundo, me diz:
“Preciso tirá-las daqui antes que seja tarde demais. Elas não pertencem a este lugar.”
Ao perceber que eu iria retrucar com indignação, você faz um gesto com a mão e me mostra uma folheto com os dizeres: “o que fazer ao encontrar uma Erva-das-Pampas?”.
Olho de volta para o canteiro e fico estarrecido ao perceber que atrás dos penachos brancos há uma espécie invasora muito perigosa.
Perigosa ao ponto de destruir todo o canteiro rapidamente com suas raízes.
Você me passa uma tesoura de poda, luvas e o resto se sucede com naturalidade.
O canteiro fica mais vazio, porém, livre do intruso.
Algo se remói dentro de mim.
— “O que faremos com esse buraco?”, pergunto ainda atônito.
— “Antes de colocarmos uma nova planta, precisaremos cuidar do solo. Não dá para acelerar esse tipo de coisa, infelizmente!”, você responde e sorri.
Duas horas depois, o canteiro está livre para receber novas flores e plantas mais amigáveis e eu finalmente entendo o seu recado.
10h12.
Minhas mãos tremem quando te encontro na cozinha da sua casa.
Respiro fundo e, quando percebo, vejo uma xícara de chá na minha frente. Você recapitula cada parte do que eu disse e me diz que o meu problema não é tão grande quanto parece.
“O fato de você reconhecer o problema é o seu maior trunfo!”
Nesse momento, você me diz que precisamos cultivar relações ao pé da letra, sendo assim, precisamos plantá-las, regá-las, podá-las quanto necessário e, acima de tudo, precisamos notar se elas se encaixam em nosso canteiro emocional.
Franzi o cenho, mas permiti que o seu fluxo de consciência seguisse.
Cada muda possui uma particularidade: algumas plantas precisam de mais sol que outras, algumas precisam ser aguadas com frequência, já outras preferem a sombra e, por fim, há algumas que são intrusas.
Geralmente uma espécie intrusiva é aquela que toma o controle de um determinado lugar e se multiplica de uma forma tão brusca que desequilibra o ecossistema ao redor.
O grande desafio é reconhecê-las, afinal, nem todas as plantas possuem um nome tão sugestivo como a Sanguinária do Japão ou são tão famosas como o Eucalipto.
Você vê?
Por trás de um nome bonito e um estilo um tanto peculiar, pode morar o caos.
Ela pode ser a planta mais bela do seu jardim e, ainda assim, a que causa os prejuízos incalculáveis.
Ao escutar isso, meu corpo foi tomado por uma carga gelada que percorreu a espinha.
Duas xícaras de chá mais tarde, você insinuou que eu precisaria limpar o meu canteiro e abrir espaço para que outras coisas ali crescessem.
Fiquei reticente, mas eu soube que este era um passo inevitável. Acenei com a cabeça, e você disse que poderia me ensinar algo no jardim.
Peguei meu caderno e você uma tesoura de poda.
Naquele momento, nada fez sentido, contudo, eu soube que minha vida estava prestes a mudar para sempre.
