Um senso de dúvida

Lula é realmente a peça mais importante dessa eleição, mas não da forma que queríamos.

Luan Oliveira
Revista Subjetiva
6 min readSep 10, 2018

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Em 1993, um episódio especial do programa Roda Viva substituía seu convidado ao centro do palco por uma cadeira sem ocupante humano — no lugar do convidado, se encontrava a faixa presidencial: o assunto era o impeachment do então presidente da república Fernando Collor de Melo, o caçador de marajás. Entre os convidados estavam juristas, escritores, jornalistas, ativistas e empresários. Havia um consenso óbvio até mesmo para o mediador: Collor deveria sair; ainda um segundo consenso existia entre alguns dos membros da roda: se Lula tivesse ganho a eleição, o Brasil estaria melhor.

Um líder sindical deu um esporro em um visitante que se recusava a se calar e seguia zombando de Lula, Lygia Fagundes Telles e Millôr Fernandes estavam entre os convidados e o Lindberg Farias se sentava como presidente da UNE e sex symbol nacional. Mas todas as presenças célebres e cenas icônicas daquela mesa são ofuscadas quando colocadas em luz do contexto atual: é mais um dos momentos onde vemos que Luiz Inácio Lula da Silva era a esperança do povo brasileiro para um país melhor. E foi.

Reprodução // AP

É quase consenso entre aqueles que compreendem as capacidades da imprensa no país: não fosse pelo reprise do segundo debate da Globo entre Collor e Lula em 1989, o petista teria vestido a faixa presidencial no final do pleito. “Um flagrante crime contra a ética jornalística”, afirmou um influente nome na imprensa nacional sobre o reprise resumido que, entre outras falcatruas, contou com cortes e destaques que favoreceram Collor. A própria Globo classifica o reprise como erro no Memória Globo. Segundo um documentário britânico, o resumo foi visto por mais da metade da população e ao final contou com dados vagos que indicavam uma supremacia de Collor. Desde então, o nome de Lula já estava na boca do povo.

Foram quatro tentativas antes do desfile rumo ao Palácio do Planalto.

Em diversos momentos registrados da história do país, como o citado na introdução, pode-se constatar uma total confiança de certos setores da sociedade em um governo Lula. Em um país com desigualdades econômicas abismais e uma recém-conquistada democracia — onde sequer se sabia o que se fazer com o poder do voto — a imagem do ex-sindicalista que foi torturado e silenciado ininterruptamente pelo regime militar parecia ressoar como o próximo passo lógico.

O governo foi pacífico e com consenso: a Rede Globo vivia em plena comunhão com o governo; os empresários estavam calmos com a Carta aos Povo Brasileiro e os banqueiros lucravam como nunca. Os pobres se alegravam com o welfare fornecido pelo governo e faziam graduações aos montes. O governo de Lula foi o fatídico tributo ao mote de Getúlio Vargas: pai dos pobres, mãe dos ricos.

Apesar da gestão econômica duvidosa — com a inflação de oligopólios e a contestada forma de atuação de certos programas sociais — o governo Lula também foi marcado pela quase erradicação da miséria no país e uma estabilidade econômica e social que garantiram a consolidação do soft power diplomático do país e sua hegemonia na América Latina e entre os países lusófonos. Na mão de um tipo socialista, o país se tornou quase potência imperialista e um dos maiores nomes no capitalismo global.

Indicou, como sucessora espiritual, a ex-guerrilheira e ministra da fazenda Dilma Vana Rousseff — única pessoa além de Collor a ganhar um Roda Viva especial de impeachment, dessa vez com um tom bem mais lúgubre. Mesmo não contando com o carisma ou a habilidade política de Lula, Dilma ainda trazia em si o rosto do ex-presidente. Seu histórico lutador e sua posição como primeira mulher a ocupar o cargo máximo do executivo nacional a deram certa credibilidade junto à esquerda e os setores progressistas da sociedade, mas a bomba criada no governo de Juscelino Kubitschek e delicadamente armada durante todos os governos até os do próprio PT explodiu.

Vox Populi, Vox Dei — Manifestantes protestam contra gastos na Copa, corrupção e melhorias nos serviços públicos // Fonte: Agência Brasil

Pouco antes de uma apertada reeleição, começaram-se as Jornadas de Junho, nossa própria versão da Primavera Árabe e a reencenação da clássica epopeia que advinha dos Diretas Já e dos Caras Pintadas. MBL, ator pornô sentando com Ministro da Educação, Bolsonaro e todas as aberrações políticas que atualmente são vistas na política nacional emergiram nessa explosão. Um Big Bang de instabilidade política com nosso próprio toque tupiniquim. A “república de bananas” que Gleisi Hoffmann afirmou que a prisão de Lula iria instaurar já existia faz tempo — um de seus ápices foi a farra das empreiteiras durante o governo petista, com eventos esportivos globais sendo sediados no país e toda a atenção da mídia internacional. A ficha caiu tarde: a política do Brasil sempre foi análoga à mais rude das comédias políticas que existiram no terceiro mundo durante a Guerra Fria, mas atenção: isso não é crônico.

Após ser considerada a esperança do país e segurar em seus dedos a estabilidade nacional, a maior figura da política latino-americana desde Simón Bolívar decidiu que não queria brincar de RPG se não fosse o mestre. Elegeu uma sucessora com clara inépcia para o cargo e agora protagoniza o que o candidato do PDT à presidência popularizou como “valsa na beira do abismo”. Foco de toda a insegurança política das atuais eleições, Lula é responsável indireto até mesmo pela iminente vitória de Bolsonaro: se o onipotente líder petista tivesse aceitado sua inelegibilidade — seja ele culpado ou não — ou ao menos não tivesse sabotado alianças e feito desleal rivalidade com outros membros da esquerda, o capitão da reserva sequer veria seu nome entre os primeiros colocados da lista.

Lula ameaçou prender jornalistas e cercear os direitos de imprensa — “prender Lula será violência para o mundo”, disse a presidente do PT. Ademais, todo um jogo de poder no já frágil cenário político brasileiro é feito dentro do cárcere em Curitiba. Olhando de longe é fácil de se ver: nos candidatos ao pleito desse ano existe uma verdadeira chance de renovação, o fim do presidencialismo de cooptação, reformas importantes aprovadas com legitimidade e uma revisão do gigante ineficaz que é o Estado Brasileiro. Com a atenção das massas voltadas para si e as ações de agentes de suma importância nas eleições sendo guiadas por seu dedo, Lula impede que o bem maior suceda em nome de seu próprio projeto de poder.

Ouvi certo dia uma trágica anedota: para quem assiste um louro verde falando com uma senhora todos os dias, a liderança de um presidiário nas eleições já está sendo esquisita — agora imagine para um gringo! A comunidade internacional já viu faz tempo: o Brasil se comporta como uma republica de bananas em certos momentos. Nosso leviatã anêmico não passa despercebido por esses mares e somos para o mundo o que a Rússia foi para a Europa durante o século XIX: um gigante dos pés de barro.

Andamos um avanço significativo rumo a uma nação mais saudável, e as próximas eleições asseguram a continuidade disso. Será isso, ou iremos precisar de um simulacro de revolução das mais sangrentas da história dentro de nossas fronteiras. A depender de Lula, a revolução terá que ocorrer.

Fica a dúvida: culpado ou não de corrupção, Luiz Inácio Lula da Silva vem sendo um orgulho para aqueles que diziam que ele iria salvar todo o país com a mais pura abnegação? Ou estaria ele fazendo um favor ao inimigo? Faz sentido um homem que verdadeiramente se importa com a nação dar margem a um perigoso inimigo apenas por algumas noites no Palácio da Alvorada?

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Luan Oliveira
Revista Subjetiva

Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever.