Uma joaninha em minha cama

Gabriel Piazentin
Revista Subjetiva
Published in
2 min readJun 13, 2020
Imagem de ARLOUK por Pixabay.

Dia desses, era logo no começo da tarde quando eu reparei uma joaninha entre meus cobertores. Dotada de um amarelo desbotado, ela estava ali, vivendo sua vida de joaninha. Imóvel. De algum jeito ela chegou e permaneceu. Eu não quis atrapalhar seja lá o que ela fazia, então, ficou lá mesmo o dia todo. Digo isso porque cada vez que eu passava pela cama eu a via. Convenhamos, ultimamente não é crime dizer que se passou o dia inteiro no próprio quarto.

Seguiu o dia normal, ou pelo menos o que se convencionou chamar de normal em meio ao caos distópico e pandêmico ao qual estamos todos sujeitos nos últimos meses. O mundo não se cansava de acabar, cada dia mais um pouquinho, e eu, mero grão de poeira das estrelas, absorvendo tudo como se estivesse a viver o último dia da história de nossas vidas. A sensação de não ter muita escolha numa hora dessas me inunda. Fazemos por demais sem nos darmos conta e os dias parecem um estranho dia da marmota em que a única novidade consiste em dormir e despertar.

Pela noite, quando fui dormir, a joaninha se encontrava no mesmo lugar, na mesma posição desde que eu a vi pela primeira vez mais cedo. Até onde eu saiba, insetos num geral têm vida curta… e eles voam e saem por aí ao longo do dia. Nunca me aconteceu de receber um visitante desses no meu quarto e ele ficar tanto tempo imóvel. Será que ela havia morrido ali mesmo? Vai ver buscou algum conforto entre o verde das minhas cobertas, numa fugaz tentativa de reaver o verde da natureza que a urbandade lhe havia tirado. Tentei mexer onde ela havia pousado, para ver se pelo menos ela se mexia, se havia algum sinal aparente de vida. Mas ela continuava imóvel…

Tentei retirar o inseto de minha cama, com certo respeito que se deve prezar para com os defuntos (ainda mais no caso de joaninhas, que dizem ser arautos da boa sorte. Não sei se ela viver ou morrer interfere no processo). Arrastando delicadamente meu dedo indicador sobre seu corpo, tentei movê-la. Eis que, ao tocar nela, ela abriu as asas e voou para o teto do meu quarto.

Ainda havia vida.

E mais do que isso, não apenas a vida existia como, inclusive, batia asas e voava. Não era apenas uma questão de vida. Era de liberdade e voo, mesmo quando tudo parecia dado como morto, inerte, quando parecia não haver mais esperanças e algo que mudasse.

Bastou abrir as asas e voar.

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