Vai ser sim ou não: sobre se amar demais pra ficar em banho-maria
Esses dias, conversando com uma amiga, me peguei dizendo que eu ando com uma enorme preguiça de quem não diz logo o que quer. Aos 27, já não tenho mais tempo pra perder com quem não está na mesma página que eu.
Inclusive, eu olho pra pessoa que eu era aos 22 anos, enrolada por meses com gente incapaz de se decidir sobre o que queria de mim, e mal me reconheço. Acho que o amor próprio tá aí também. Quando a gente consegue se amar, a aprovação do outro passa a valer bem menos — e o nosso tempo passa a valer bem mais. Quer? Quer. Não quer? Tranquilo. Quer, mas não sabe o que fazer com isso? Então vai se decidir enquanto eu sigo a minha vida porque já não me é suficiente ser cozinhada em banho-maria. Não pode nem deve ser suficiente.
No ano passado, eu me envolvi com uma pessoa que me ganhou (entre outras coisas) pela coragem. A gente conversava há poucos dias quando, no meio de uma conversa, ela simplesmente virou pra mim e disse que me achava interessante, se sentia atraída por mim e acreditava que isso podia chegar a algum lugar. Ela não falou isso de uma forma calculista como uma tentativa de me seduzir e me fazer cair na conversa dela. Foi real. Foi aberto. Foi honesto, claro, objetivo. Profundamente corajoso. Eu nunca tinha conhecido alguém tão corajoso e aquela coragem me ganhou na mesma hora.
Por ironia da vida, eu conheci essa pessoa logo depois de um envolvimento com alguém que me frustrou exatamente pela covardia. Nessa história, tinha sido eu a corajosa, a que chega e diz claramente o que quer. Com muito esforço. Querendo morrer. Me sentindo nua. Morrendo de medo. Mas indo, apesar de. O que eu descobri com isso é que a clareza e a coragem assustam muita gente. Quem fala abertamente sobre o que quer desestabiliza quem ainda não conseguiu olhar o próprio desejo nos olhos. Em um mundo de joguinhos amorosos, indiretas, sinais obscuros e saídas pela tangente, chegar e dizer “eu quero você” pode ser um tanto assustador, tanto pra quem diz quanto pra quem ouve.
Talvez fosse legal pensar em como isso pode refletir a nossa dificuldade de encarar o nosso próprio desejo. Em como isso diz muito sobre uma sociedade que só permite desejos confessados em voz baixinha, quase entre dentes, meio de lado, sem olhar ninguém no olho. Talvez fosse legal pensar em como, num mundo de Tinders e outros cardápios humanos, a gente se assusta com alguém que parece decidido a querer a gente, alguém que não sai pela tangente, não dá sinais contraditórios enquanto mantém a sua lista de contatinhos ativa e na espreita. Talvez fosse interessante pensar nos motivos pelos quais o “eu quero você” assusta tanto, mas não é sobre isso que eu queria escrever.
A questão é que, depois desses dois relacionamentos transformadores, comecei a perceber melhor o que existe por trás dessa coragem. Fui me tornando mais corajosa também. E criei uma enorme preguiça de gente que não encara. Não existe nada mais atraente pra mim, hoje em dia, do que uma pessoa que me diz o que quer. De forma aberta, clara, objetiva, honesta. Disposta a abraçar o risco. Profundamente corajosa. É como eu mesma tenho tentado ser com os outros também. Sem jogos, sem meias verdades, sem dizer A querendo dizer B. É mais saudável assim, é mais justo com todos os envolvidos. É honesto com o nosso próprio desejo.
De certa forma, me parece que essa disposição em correr o risco e encarar a resposta do outro é a maior demonstração de amor próprio que a gente pode bancar. Depois de atravessar um processo de autoaceitação, não tem por que precisar da aprovação do outro, não tem por que surtar só porque o outro não gosta da gente. Tudo bem se ele não gostar. A gente parte pra outra e continua. A gente parte porque o nosso tempo, sim, vale muito pra ser desperdiçado em lugares meia boca. Lembro daquela frase que dizem ser da Frida: “onde não puderes amar, não te demores”. Também lembro da Nina Simone: “Você tem que aprender a se levantar da mesa quando o amor não está mais sendo servido”. E da Anitta: “Se quiser jogar, vem. Mas tem que arriscar, vem. Vai ser sim ou não”. A Anitta, a Nina e a Frida não têm paciência pra “talvez”. Nem eu.
Depois que a gente atravessa um processo de efetivamente entender o quanto a gente tem valor, não dá mais pra aceitar migalha disfarçada de banquete. Não dá mais pra aceitar ficar em banho-maria. Não dá mais pra colocar o nosso tempo nas mãos de gente que não consegue encarar o próprio desejo sem sair correndo. Afinal, exige coragem assumir o que a gente quer (não só pros outros, mas pra gente mesmo). Exige coragem e, se é pra arriscar, que a gente arrisque com quem vai valorizar a nossa coragem — e não se assustar com ela. Que a gente se arrisque com gente disposta a responder a nossa entrega com entrega também. E, se a entrega não for possível, que pelo menos respondam com a mesma honestidade, a mesma clareza, o mesmo cuidado. Vai ser sim ou não, mas, se for não, a gente levanta da mesa com a consciência tranquila de quem não teve medo de querer o que quis. Ou melhor dizendo: de quem teve medo, mas foi mesmo assim, apesar de.
Esse texto foi originalmente publicado no meu recém-inaugurado blog: Maíra com acento, onde também pretendo postar conteúdo sobre moda plus size, gordofobia, feminismo, cinema, literatura, decoração e mais um monte de coisas misturadas que me interessam. Passa lá. :)
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