Velhos Demais Para Morrer

Distopia de Vinícius Neves Mariano desmistifica a passagem do tempo

Maria Elisa Nascimento
Revista Subjetiva
3 min readApr 16, 2021

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http://www.viniciusnevesmariano.com/velhos-demais-para-morrer

O período que precedeu às medidas definitivas de segmentação etária foi o auge de uma sociedade obcecada pelo Tempo. Perder tempo era um pecado; monetiza-lo, uma regra — "tempo é dinheiro", bradavam — ; e com os avanços da ciência antienvelhecimento, a humanidade obteve consideráveis — mas, ainda assim, enganosas — vitórias: além das doenças já não serem fatais, o corpo humano começava a superar seus mais otimistas prazos de validade. Finalmente, o homem estava derrotando o Tempo.- Velhos Demais Para Morrer

Em um futuro distópico, uma sociedade economicamente quebrada decide transformar seus valores numa tentativa de sobrevivência. Assim, uma série de artifícios são criados para alienar a população da morte. O plano é fugir da velhice, para assim, tentar parar o tempo. Essa é a premissa de Velhos Demais Para Morrer, segundo livro de Vinícius Neves Mariano que venceu o prêmio Malê de Literatura.

A narrativa conta a ruptura de uma sociedade obcecada pela juventude ao apresentar a subversão de três protagonistas; Daren, Perdigueiro e Piedade.

Daren tem 30 anos e está no auge da carreira: ocupa um cargo alto em uma renomada empresa de cosméticos, que lhe oferece inúmeros privilégios. Mas mesmo com tantas regalias, algo dentro de si não está bem. Nos momentos em que o jovem é contado, ele aprende a entender seu incômodo, e descobre que a angústia vem de um problema muito maior que ele.

Perdigueiro é um menino que vive a ponte entre o fim da infância e o início da adolescência. Obrigado pelo pai a caçar idosos para a milícia, ele busca ser o predador mais ágil, para conquistar a aprovação de seu progenitor. Porém, a dureza e constante reprovação do pai o colocam em um conflito: como ser frio e pragmático, enquanto o que mais se quer é poder demonstrar amor e se sentir cuidado?

Já Piedade, é uma idosa fugitiva, que vive se embrenhando nas matas na tentativa de sobreviver. Em meio ao seu percalço, se descobre grávida. Agora, além de enfrentar a marginalização da velhice, ela precisa decidir se mantém a criança que traz no ventre, ou se é melhor abortar.

Os conflitos, sutilezas e demasiada humanidade dos protagonistas se contrapõe à sociedade robótica em que vivem. Dessa análise, cria-se margem para uma série de reflexões. Entre as mais densas, fica a certeza de que não há tecnologia capaz de alongar a vida que evite a chegada da morte, mesmo que se tente fugir. O envelhecimento começa no dia em que cada pessoa nasce.

Como cabe à velhice o papel de dissolução da vida, encarar rostos enrugados pode ser desesperador. No entanto, o livro acentua a finitude como parte essencial da existência humana. É ela que torna cada vida única e que traz a necessidade de aproveitamento. Se tudo há de ter um fim, é melhor se agarrar a todas as experiências com urgência e presença, antes que acabe.

O livro é um encontro com a morte, mas para isso, explora a vida. No mais, a obra também retoma o valor da memória para a construção da identidade pessoal e social e pontua o poder que há em analisar o passado para estruturar o presente e planejar o futuro.

Em dias tão duros, com o luto diário tão intenso aqui no Brasil, Velhos Demais Para Morrer é um convite carinhoso para encararmos o envelhecer com mais carinho. Não da para fugir da morte, mas é possível degustar cada segundo de vida, mesmo no meio do caos. É isso o que o livro lembra.

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Maria Elisa Nascimento
Revista Subjetiva

Apaixonada por palavras desde o dia em que aprendeu a falar, ela é curiosa e questionadora sobre tudo. Mora na Selva de Pedra e trabalha com Audiovisual.