Você acha necessário falar sobre gênero e sexualidade na escola?

Guilherme Aniceto
Revista Subjetiva
Published in
6 min readJul 4, 2018

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Por Guilherme Aniceto

Hoje apresentarei um pequeno experimento que conduzi. Criei uma enquete no Facebook, e deixei disponível por uma semana. Quis saber qual a percepção das pessoas a respeito da necessidade de se falar em gênero e sexualidade na escola.

Por isso, perguntei:

Enquete. Fonte: Facebook.

Sim, perguntei se achavam necessário, porque considerar alguma coisa necessária é entender a falta, a lacuna no que se refere ao entendimento da sociedade a respeito dos temas envolvidos nas áreas da sexualidade e gênero. Enxergar uma necessidade nesse âmbito é reconhecer a existência de ignorância no mundo. É compreender que, independentemente de ideologias políticas ou religiosas, é preciso ensinar as crianças a respeitarem.

Assim, não me interessa saber se as pessoas acham certo ou errado falar de sexualidade e gênero na escola. Mas me interessa entender por que existe tanta resistência quanto à inclusão desse conteúdo tão importante nas grades do ensino regular brasileiro.

Longe de mim querer trazer resultados conclusivos a respeito de qualquer coisa. Minha intenção foi meramente ilustrativa. Admito que o resultado não representa o Brasil com certeza absoluta. A pesquisa recebeu um total de 137 votos. Estatisticamente, a amostra possui um grau de confiança de 95%, admitindo-se um erro amostral de até 8,5% para mais ou para menos (os valores foram obtidos a partir de uma calculadora amostral on-line, disponibilizada neste link).

Antes de apresentar os resultados, preciso mencionar os cuidados que tomei para que o resultado não fosse enviesado. A pesquisa não foi disponibilizada somente em meu perfil pessoal. Isso certamente traria uma impressão de que a maioria absoluta concorda com a necessidade de se falar em gênero e sexualidade na escola. Isso porque eu concordo com isso e a maioria dos meus amigos também. Apenas nove dos meus amigos responderam “Não!”, enquanto 49 amigos disseram “Sim!”. Efetivamente, esse resultado traria a equivocada impressão de que 85% das pessoas consideram necessário falar de sexualidade e gênero na escola.

De fato, o que fiz para evitar esse viés foi compartilhar a enquete em grupos compostos por pessoas de todas as áreas, classes sociais, profissões e níveis de escolaridade. A maioria dos respondentes, de fato, não foram conhecidos meus. 79 respondentes vieram desses compartilhamentos em grupos voltados para a educação e para a sociologia e grupos de notícia diversos. Creio que isso trouxe mais confiabilidade para o resultado que agora apresentarei.

Não é unanimidade, nem de longe, a percepção da necessidade de se falar em gênero e sexualidade na escola:

Resultado da Enquete. Fonte: Facebook.

Observa-se que 47 pessoas, que correspondem a 34% da amostra, responderam que “Não, não é necessário falar de gênero e sexualidade na escola”, enquanto 66% (90 pessoas) disseram “Sim!”. Ainda é maioria a quantidade de respondentes que enxergam a necessidade de se sanar a ignorância que permeia os temas abordados, no que se refere às identidades de gênero e orientações sexuais.

Isso significa dizer que, a cada 100 pessoas, 34 discordam da inclusão dos temas “sexualidade” e “gênero” na educação brasileira. E essas 34 pessoas não só discordam, como protestam ao leve sinal de avanço nesse sentido. A título de exemplo, apresento um comentário comum:

“Na escola se ensina português, matemática, história, etc. Em casa se ensina respeito, sexualidade, gênero, etc”.

Essa é uma resposta típica. Vários respondentes disseram a mesma coisa, em outras palavras. Uma variação foi:

“Quem tem de conversar esses assuntos são os pais, não a escola”.

Eu não sei de onde saiu essa ideia de que a escola deve limitar seus ensinamentos às disciplinas básicas, excluindo de seu escopo o gênero e a sexualidade. Quando se fala em história, também se fala em revoluções, em lutas e causas sociais. Quando se fala em ciências, também se fala em corpo humano, em avanços na medicina, inclusive relacionados a LGBTs, como a retirada da homossexualidade e, recentemente, da transexualidade da lista de doenças pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Quando se fala em português, também se fala em linguagem inclusiva. Quando se fala em literatura, também se fala em autores que fogem do padrão heterossexual e cisgênero, também se fala em literatura de resistência. Quando se fala em geografia, também se fala em países que consideram a homossexualidade um crime e que punem cidadãos com a morte por serem homossexuais. Na verdade, quando se fala em história, ciências, português, literatura e geografia, deveria falar-se em todos esses assuntos, que fazem parte deste mundo.

Enfim, os temas “gênero” e “sexualidade” invariavelmente surgem em todas as áreas do conhecimento. Então, nada seria mais justo do que a escola proporcionar aos alunos o ensino completo, não sendo cabível delegar aos pais a exclusividade desse papel. Os pais devem, sim, falar sobre gênero e sexualidade com seus filhos. Porém, devem fazê-lo de forma complementar e para a fixação do respeito às diferenças.

Quando se afirma que os pais são os únicos responsáveis por falar sobre gênero e sexualidade com os filhos, assume-se que o bullying contra crianças que fogem do padrão heterossexual e cisgênero é responsabilidade dos pais exclusivamente; admite-se que, quando crianças são assassinadas por conta de apresentarem comportamento considerado não-heterossexual, também deve-se atribuir a culpa a pais negligentes; concorda-se que adultos que não aprenderam a respeitar e disseminam o ódio contra LGBTs resultam de criações inadequadas. E todas essas considerações são inverdades.

Nem todos os adultos são LGBTfóbicos. Portanto, não é culpa da criação. Aliás, é possível que uma pessoa seja LGBTfóbica e seu irmão, que teve a mesma criação, não o seja. O que ocorre é a desigualdade de acesso à informação. Nem todos os pais estão preparados para lidar com gênero e sexualidade. As escolas deveriam estar, já que é o local em que o processo de socialização das crianças fora do ambiente familiar ocorre.

Quando se defende como papel da escola falar sobre gênero e sexualidade, não se advoga que LGBTs são superiores a pessoas heterossexuais e cisgênero, tampouco se pretende criar uma legião de LGBTs para acabar com a “instituição familiar”. Diferentemente, levanta-se a bandeira da igualdade: todos são especiais e únicos, o respeito é direito e é dever. Entende-se que as diferenças não devem ser razões para segregar pessoas, mas motivos para acolher. Mesmo que as crianças não compreendam os motivos de serem diferentes entre si, é papel da escola trabalhar no sentido de proporcionar o autoconhecimento, a autoaceitação e a autoafirmação e, principalmente, de coibir atos de hostilidade.

Além disso, como um dos comentários à enquete esclareceu:

“Com certeza é necessário [falar sobre gênero e sexualidade na escola], e os motivos são os seguintes:

1) gênero e sexualidade fazem parte da vida e são causa do sofrimento de muitos escolares;

2) é importante dar informação/auxílio (o possível para uma sala de aula) para aqueles que sofrem com dúvidas e inseguranças nesses quesitos;

3) é importante orientar aqueles que trazem de casa preconceitos e comportamentos violentos sobre esses assuntos; e

4) como traz a sociologia, a filosofia e a antropologia, gênero e sexualidade estão inscritas em relações sociais de poder, normatizações sobre o corpo. Munir o aluno para que ele entenda as relações e determinações em que está inserido é essencial e parte importante do processo formativo efetivo da educação”.

Enfim, faz parte da chamada responsabilidade social da escola prover orientação aos alunos, não necessariamente em coordenação com os pais. Muitas vezes é na própria família que se instala o primeiro contato da criança com a LGBTfobia. Por isso, a escola deve intervir.

A enquete revelou que a maioria das pessoas concorda com a necessidade de falar sobre gênero e sexualidade nas escolas. No entanto, nem sempre a maioria é suficiente. Pressões daqueles que discordam são muitas vezes o bastante para que o assunto seja deixado no esquecimento, contribuindo para a propagação da LGBTfobia e da ignorância em relação ao que significa ser LGBT no Brasil.

Sendo o nosso país o que mais mata LGBTs no mundo, seria de se esperar a unanimidade na percepção de que é preciso ensinar nossos filhos a respeitarem. Porém, diversos estímulos contrários surgem a todo momento na mídia, nas igrejas, na comunidade esportiva, na política, nas escolas inclusive.

E é por tudo isso que ainda é necessário falar sobre gênero e sexualidade na escola, queiram ou não, aceitem ou não.

Este artigo faz parte do nosso especial sobre Gênero e Sexualidade na Escola.

Leia mais sobre o tema:

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Guilherme Aniceto
Revista Subjetiva

Escritor. LGBTQIAP+ (ele/dele). Poeta no portal Fazia Poesia. Contato pelo instagram @guilhermeaniceto ou pelo e-mail: guilhermefaniceto@gmail.com