Você não é o único que se sente sozinho
Resenha — Solidão, de José Maria Mayrink
Tema frequente nas músicas, no cinema e na literatura, a solidão é um dos temores da sociedade contemporânea. Não é difícil encontrar alguém afirmando que, entre os seus maiores pavores, está o medo de ficar sozinho. Por mais que pareça um assunto particular do século XXI, o sentimento de isolamento afeta moradores das pequenas e grandes cidades brasileiras há décadas, como mostra o livro escrito pelo jornalista José Maria Mayrink.
Fruto de uma série de reportagens especiais feitas para o jornal O Estado de São Paulo no final de 1982, o livro é um delicado ensaio sobre esse sintoma que atinge milhares de pessoas. Escrito a partir de observações cotidianas, apurações de informação, entrevistas e depoimentos de personagens reais, a obra tira da margem um problema que influencia o comportamento humano em diversas situações diárias, seja no trabalho, nos estudos ou dentro de casa.
A solidão é onipresente
No livro, são apresentados os pontos de vista de diferentes grupos que convivem com um vazio mais que existencial. São moradores de rua, universitários, trabalhadores, imigrantes, enfermos, idosos, presidiários e pessoas comuns que lidam com a rejeição (ou o medo dela) e a exposição a mais dura e fria realidade.
Da tristeza silenciosa dos mendigos ao retiro espiritual das freiras, existem muitos pontos em comum. O ócio, por exemplo, é retratado como um inimigo brutal. Ele desperta pensamentos negativos, sentimentos melancólicos, mágoas e angústias que pílulas medicinais não são capazes de curar. O silêncio é outro fator perturbador. Corrosivo, ele destrói relacionamentos que não resistem ao tempo e gera novos conflitos individuais.
Mayrink é sensível ao relatar todas essas histórias e situar o leitor em um contexto mais amplo e visível. Os dramas pessoais são intercalados por informações essenciais para entender o crescimento da solidão no Brasil. Em meio aos relatos das fontes, há o parecer clínico de médicos e psicólogos, que apontam as causas da percepção do abandono e como elas podem ser relacionadas a outras doenças que afetam a saúde mental, como a depressão e as crises de ansiedade.
Dentre as histórias contadas, muitas causam um aperto no coração. Alguns exemplos são os portadores de hanseníase abandonados pela família em hospitais por puro estigma da doença. Há também os que vieram na Grande São Paulo, à procura de uma mudança de vida, mas após uma série de percalços foram morar nas ruas paulistas.
Contudo, há narrativas acolhedoras, como as pessoas que adotaram causas sociais para amenizar a sua dor. Ou o caso da mineira Lúcia. Se sentindo sufocada na maior cidade do país, ela publicou um anúncio no jornal pedindo ajuda para encontrar amigos na capital. Para a surpresa da jovem, ela recebeu mais de 370 cartas, com histórias semelhantes a sua agonia e que ofereceram apoio e a oportunidade de uma conversa amiga.
Trinta anos após a produção das reportagens, o jornalista tentou retomar o contato com seus personagens. Muitos já haviam falecido e outros preferiram permanecer em silêncio após anos da publicação. Os números atualizados reforçam que o exílio social aumentou em um mundo mais globalizado e conectado, no qual as interações fora da internet estão mais escassas a cada dia que passa.
Ao final da leitura, é possível concluir que a solidão é democrática. Ela não distingue raça, credo, gênero, idade ou classe social. E que uma de suas curas é uma palavra que está bastante em voga nos dias atuais: a empatia.
Solidão, de José Maria Mayrink. Geração Editorial, 2014.
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