Will do avesso

Rafael Moreno
Revista Subjetiva
Published in
3 min readMar 11, 2022
Direitos de imagem: NBC

Quando estava no médio, existia uma trinca que eu não abria mão. Das 12hrs45 até as 14hrs15, ficava com o prato de almoço na mão, bem na ponta do sofá, pra aproveitar o braço dele como um apoio a parte.

Você fazia isso tbm. Aliás, o sofá só tem esse design especialmente para essa função.

Aquela trinca era poderosa demais. Tá pra nascer uma sequência tão certeira quanto essa. Nem que a Netflix colocasse vários episódios finais de uma mid season finale criaria tanta expectativa e disciplina para colocar alguém em frente a teve durante uma hora e meia.

Olha só, essa trinca até passou pelo efeito da memória nostálgica, com todo o louvor.

Na sequência, pra gravar no coração e rememorar na mente:

Canal quatro, Chaves, Um Maluco no Pedaço e Eu, a Patroa e as Crianças. Era o horário nobre daquele pequeno corinthiano guiado pelo rap e black da MixTV.

As séries, que aliás nem chamava de série, sempre me arrancavam os risos das mesmas piadas que o senhor Abravanel nos apresentava em looping.

A comédia sempre me chamou a atenção pelas suas camadas. Você pode assistir pra gastar aqueles trinta minutos rindo e, no outro dia, já com o roteiro e as piadas decoradas, você presta atenção no texto e solta um “caraio que foda” (elogios formados por palavrões tem uma potência muito maior de reconhecimento).

Com isso, outra coisa que me pega na comédia são pequenas cenas, diálogos, que escondem ou dizem algo muito maior que o próprio episódio em si. Condensar todo um plot em segundos me faz questionar o que a academia considera bom ou não.

Uma das tantas e tantas cenas que me chamou a atenção é com o Will. Eu sei, você sabe, ele nos contou na abertura do programa onde é que ele tava (e se ainda não sabe, cola aqui embaixo que te falo melhor).

Uma das camadas d’Um Maluco no Pedaço é tratar do incômodo, do peixe fora da água, do desajustado, daquele que não se enxergava no meio em que vivia.

A tônica é levada até o último episódio, com o Tio Phill dizendo que ele não pertence a lugar nenhum que não seja do lado da sua família. O que começou com o não pertencimento a Bel-Air se desdobrou para alguém que só procurava ser amado.

Ali era seu encaixe. Filadélfia, Bel-Air, não importa. Ele queria amor num mundo tão hostil a ele.

Nessa jornada de encaixe e desajustes, me vem uma cena maravilhosa. Curtíssima, que passa desapercebido, mas que consegue condensar como o Will se vê, se sente e tenta agir para se defender daquela gente que não era gente como a gente.

Primeiro dia de aula naquela escola caríssima que seu primo, até então apenas um almofadinha em sua visão, Will se via obrigado a usar uniforme! E tem mais. Sapato, calça social, cinto e até paletó.

Chegando na escola trajado daquela maneira, topa com seu primo, tromba com uns boyzinhos e, que merda, tá igual a eles. Mas longe dele se parecer com aqueles branquelos filhinhos de papai.

É quando ele vira o paletó do avesso e abre um sorriso.

Cena tá na mão a partir de 1:10

Mano, olha só a beleza disso. Puta que pariu. Não foi preciso textos explicativos ou ele falando pra gente o porquê faria o que fez. Era apenas Will avesso (literalmente falando) àquela realidade que não pertencia a si.

Não precisa de tanto. É bem simples por sinal. Mas em momento algum disse que é fácil fazer uma parada dessa.

Tem muito mais pra falar desse programa absurdo de bom.

Por hora, só essa cena de dez segundo pra render tanta discussão. Coisa de gênio.

Um dia eu chego lá.

Saudades dessa trinca.

Abraços,

Rafael

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