As conchinhas do mar

Liana Monteiro
Revista Transversal
2 min readJul 2, 2018

Tento inventar um texto que se movimente como o mar. Mas perco o balanço. A variação das marés é moto-contínuo inimitável. O texto segue em linha reta, o pensamento, o pensamento. O pensamento está mergulhado e entrevê os caminhos dos peixes, a circularidade das arraias, os batimentos da cauda da sereia.

Shhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

O mar não vem sem ir. Me perco e me encontro. Num lampejo. O céu brilha em cores infinitas, eu sou jogada de um lado para o outro. O texto permanece aqui.

Shhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

Anteontem saí correndo pela praia de Copacabana. Foi assim: vestido roxo de crochê balançando ao vento miúdo. Gargalhava, era só caminho. Ia sem ver, para, enfim, vir. Vestido roxo, lua branca, mar escuro. Tomavam água de coco na orla, ouviam mambo, ouviam samba. Tomei consciência de tudo. Corri, corri. Até que cheguei a você. Foi um susto.

Shhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

Segui porque era preciso. E falei para mim mesma: vai vivendo.

Shhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

Vai vivendo. Embora a vontade de correr para trás seja imensa. Vai vivendo. Meu caminho é diferente do seu, não há como. Vai vivendo. Bebe a água do mar e engole uma concha.

Shhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

Já mergulhei em mar que tinha lua. Sinto a luz na minha boca ainda. E agora tenho vontade de vomitar. Saem peixes do meu vestido, saem algas da minha vagina. Sou toda o movimento de expelir a lua.

Shhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

Compreendo a tristeza. Um corpo roxo boia rente à areia. Morreu sozinho, inundado pelo peso das ondas. Água entrou por todos os orifícios. Somos assim: abertos a tudo.

Shhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

O universo está num grão de areia.

Shhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

Eu estou longe de você.

Shhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

A lua some.

Shhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

Vou vivendo.

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Liana Monteiro
Revista Transversal

Quase azul. Uma canção de jazz, uma caminhada pelo vento. E vou levando a vida. Escrevo: contos, crônicas, diários, feitiços e, sobretudo, poesia.