Copacabana, a terceira parte — um paraíso

Paloma Palacio
Revista Transversal
4 min readMar 22, 2019
Still de uma reportagem da TV PUC sobre a locadora

Taís Araújo come pipoca em frente ao Roxy

Era Festival do Rio e o Lázaro Ramos estreava um filme como produtor executivo, algo assim. Ela estava absolutamente gata, pescando mais pipoca no saco com as mãos engordurados de pipoca. Não tinha isso de pegador de plástico.

A Barbara me disse que teve um dos piores dates da vida no Roxy. Foi assistir àquele filme da Kristen Stewart. Pergunto se era a Kristen pré ou pós The Runaways, isso diz muito sobre o date. Pós, com certeza. Menos mal. Mas por que tão ruim? Ela contou e achei estranho. Fiquei pensando na Kristen Stewart, como muitas das jovens de nosso tempo. Não, pois é, ela não tem Instagram.

no edifício master

Busco na internet onde fica o Edifício Master, mas não encontro. Marco de passar lá uma, duas, três vezes. Uma esqueço, duas passo reto, três deixo pra lá. Por que evito tanto saber certas coisas? Lembro da Paradise e me decido a ir de uma vez. Quarta vez.

Chegando lá, uma placa que dizia que ali era o Edifício Master do filme de Eduardo Coutinho. Fumei demoradamente um cigarro na calçada em frente, pra dar o tempo. Pro fumante, o que importa é dar o tempo, por isso sobraram tão poucos. Não reconheci nenhum dos rostos que passaram por mim. Na verdade, da entrada do prédio não vi ninguém saindo ou entrando. Saio frustrada, mas aliviada. Decido que não quero reconhecer os personagens nas pessoas que moram ali. É ficção demais, verdade de menos. Agora sempre que passo na Domingos Ferreira, mudo de calçada.

a última das locadoras

Me dirijo a você, Nando, não posso começar a falar da Paradise sem antes me confessar. Eu nunca te disse porque te visitava tão pouco. Costumava acordar mais cedo às segundas-feiras para comprar pão fresquinho na padaria da Siqueira Campos. Lembro que sempre cruzava com você, que àquela hora estava a caminho da locadora. A gente se cumprimentava e você me convidava a passar lá depois. Foram poucas as vezes em que aceitei o convite, mas lembro da loja com tamanha exatidão que poderia hoje fazer uma réplica em maquete e construí-la de novo, do zero, como se fosse a primeira locadora de Copacabana. O atabalhoamento dos dias encobre nossas intenções mais sutis, eu acho.

Não é como se você importasse, eu sei. Resisto em dizer. Você recebia todos como se fosse da família. Família arranjada, dos que insistiam em não deixar o tempo passar. Mastigava aqueles filmes como ninguém, tinha cada um deles na ponta da língua. Aluguei Contraponto, do Terry Gillian, e você me disse algo do filme que não lembro mas guardo nas imagens quando revejo. Você era o acontecimento mais bruto e brilhante da Paradise. Era sua energia que acendia as luzes às 10h, disso tenho certeza.

Tinha medo do dia em que elas se apagariam. Por força maior, apesar de você. Aí está. Você já sentia, eu também. Não queria ver de perto o fim de um sonho. Se aluguei o filme, foi pra sentir saudade. Encontro uma foto e um artigo no Jornal Copacabana, assinado por Luis Carlos Teixeira Mendes. A Paradise como reduto dos cinéfilos. Isso foi em 2015. Rodrigo Santoro, Louise Cardoso, Nanda Costa e Flávia Alessandra eram clientes assíduos, diz ele. Sônia Braga ficou maravilhada com o acervo. Entendo a Sônia. Lá me sentia em casa, de um jeito que só a rua me faz sentir. Por isso tinha medo da saudade, de você e da Paradise. Hoje escrevo pra me retratar, enquanto enquadro vocês e penduro na minha parede de memórias em 24 quadros por segundo. Não tenho uma foto sua sequer.

o jornal copacabana

Descubro assim que o Jornal Copacabana existe desde 14 de fevereiro de 1996, e a versão impressa segue correndo pelas portarias dos prédios no bairro. Uma das últimas fotos postadas no Facebook data de 14 de março e mostra uma pilha de exemplares sentada na bancada de um edifício da Miguel Lemos. Em publicação mais recente, Luis Pimentel homenageia o amigo Alfredinho da Bip Bip, que tinha acabado de morrer. Alfredinho era botafoguense e, segundo ele, vinha de Bangu para viver Copacabana e lá passar seus últimos dias. Noto que nunca fui ao Bip Bip, mas conhecia o Alfredinho e sabia da sua partida. A vida corre no passo das notícias. Mais rápido que a morte de alguém, parece.

mini joias

O Cine Joia é um pequeno cinema, escondido nos fundos de uma galeria na avenida principal de Copacabana. Duas lojas à esquerda, fica a Igreja Universal e, em frente, sacas e sacas de lixo do McDonalds. Foi onde vivi dois importantes dias de depressão e assisti Manhattan pela primeira vez. Woody não conseguia falar de uma Nova York que nunca visitei. Duas fileiras adiante, uma senhora decidia se ele já tinha feito os 77 ou 84 anos. Os ingressos são 30 reais, 15 a meia. Telefone: (21) 2236–5671

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