Feijões

Liana Monteiro
Revista Transversal
2 min readJun 10, 2019

Juntar um mais um os feijõezinhos na folha de papel.

Entender que a soma é colocar lado a lado coisas que a princípio não têm relação.

Perceber que no pote de danoninho com algodão uma plantinha cresce do feijão.

Colocar na boquinha o feijão duro e aprender a levar uma bronca.

Ou engasgar e sentir pela primeira vez falta de ar.

Passar um feijão verde pela pele e fingir que o verde se derrama e deixa rastros.

Fazer uma tatuagem de tinta verde de feijão que não existe.

Imaginar um pé-de-feijão gigante, que leva para além das nuvens.

Começar a aprender o ciclo da água e a dúvida: o que veio antes, a nuvem ou a poça?

Cozinhar feijõezinhos na poça brincando que é panela fervendo.

Levar à boca os feijões e lembrar a bronca ou a falta de ar.

Descobrir os micróbios.

Tomar remédio com gosto de coco pra matar verme, e o feijão, o feijão tem ferro!

Cuspir o feijão pra fazer birra, apanhar e engolir o choro.

Tomar caldinho de feijão na festa junina e sentir um calorzinho.

Colocar feijõezinhos sobre a cartela do bingo. Esperar, esperar e não ganhar nada.

Separar o feijão do arroz nos almoços de escola.

Derrubar o pote de feijão porque as mãos estão grandes demais.

Sorrir e ter um pedacinho de feijão no dente. Perceber e não querer voltar mais lá.

Fazer feijão pela primeira vez.

Sentir medo de que a panela de pressão estoure.

Sentir o gosto do feijão aguado e fome.

Misturar feijão, arroz, farofa e comer sozinho.

Sentir saudades do feijão da mãe.

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Liana Monteiro
Revista Transversal

Quase azul. Uma canção de jazz, uma caminhada pelo vento. E vou levando a vida. Escrevo: contos, crônicas, diários, feitiços e, sobretudo, poesia.