Mãe é coisa santa, dizem por aí. E entendo que nessa frase estejam gratidão e carinho. Sim, minha mãe é coisa santa e vou tratá-la assim. Adorá-la, venerá-la, postar-me aos pés do altar… Ah! Ninguém faz isso. Mãe é coisa santa no que o santo tem em vida, isso sim. Lembra das histórias dos santos? Nenhuma é fácil. E sempre tem aqueles personagens que complicam a vida dos caridosos. No caso da mãe, esses vilões são os filhos. Não sou mãe, sou filha, e estou dizendo isso. Mea culpa? Talvez. Muita culpa? Talvez. Mãe, peço desculpas. Estou sempre pedindo coisas, me faz um favor, passa essa roupinha aqui, esquenta aquela comidinha lá e tal e tal.
Minha mãe não para. Trabalha o dia inteiro, inclusive durante as horas de sono. Porque se eu acordo de madrugada para fazer xixi, ela acorda também, preocupada, achando que alguma coisa vai mal.
Lembro da vez em que minha mãe voltou pra casa, a pé, pra buscar o trabalho de desenho geométrico que eu tinha esquecido. E nossa casa nem ficava perto da escola… Mas ela foi lá, cabeça erguida, pronta para mais uma batalha.
Ah, dói…
A vida da minha mãe é uma correria. Três filhos. Grandes. Dependentes, que vergonha! Idas e vindas do mercado, almoço e janta, lavar a roupa, estender a roupa no varal, passar a roupa. E algum filho ainda diz que ela não passou direito. Como podemos ter o descaramento de reclamar de alguma coisa que ela faz? Ora, mãe é coisa santa. Impecável. Dotada das mais sublimes virtudes. E ainda perdoa…
No nosso mundo, mãe não pode desgostar de filho, nem por um segundo. Não pode dizer “ah, como seria bom não ter filhos”. Mãe não pode queimar o feijão, esquecer de comprar o biscoito no mercado, esquecer de buscar o filho na escola. “Ah, fui dar uma volta, pensar na vida, e esqueci”. Pode não. Os vestibulandos reclamam da pressão. Os universitários reclamam da pressão. Os funcionários de empresa reclamam da pressão. E mãe, reclama? Imagine uma mãe dizer que está de saco cheio de amamentar o filho, ai dela! Logo aparece, do nada, meia dúzia de bocas abertas, cho-ca-das, acusando a mulher de ser… um monstro. É assim: se não for santa, é monstro. E todo mundo esquece, principalmente os filhos, que mãe é, antes de tudo, uma mulher. Ha! Uma mulher, que às vezes quer tomar um sorvete sozinha, olhar os barcos ao longe, lembrar de um amor antigo… Uma mulher, que às vezes quer deixar tudo pra lá, colocar o volume no máximo e ficar deitada no sofá o dia inteiro. Uma mulher, que às vezes quer ser só uma mulher, sem pensar nos filhos, no feijão queimado, no mercado cheio.
Vim pensando nisso pelo caminho, enquanto fazia a digestão do almoço. Lembrei de um bebezinho que estava no ônibus com a mãe. Gordinho, fofinho, lindo! E puxava a blusa dela, reclamava, batia nos peitos… Confesso: tive raiva do bebê. Sei que ele não tem culpa, bebê tem que mamar e aquilo tudo. Mas tive raiva. Não só do bebê, mas de mim também. E de todos os filhos do mundo. Aquela imagem, o bebê puxando a roupa da mãe, é o símbolo da relação entre mães e filhos. Sugamos nossas mães. Chamamos (mãããããe) esperando que elas venham prontamente. Acreditamos que mãe é para todos os momentos, em qualquer lugar, a qualquer hora. Não! Não!! Por favor, não me chamem! Estou cansada, quero ouvir o som da minha voz. Quero cantar olhando pro teto, quero fumar na janela da sala, quero tomar banho de uma hora e desenhar no espelho embaçado. Quero comer miojo com salsicha, sorvete de sobremesa, pedir uma pizza tamanho família só pra mim. Quero escrever poesia, falar abobrinhas, brincar de adedanha, beijar o vizinho, comprar um coelho, nadar seminua. Quero dormir uma tarde, sonhar com o demônio, acordar esquecida, respirar fundo, contar até três.
Quero e quero e quero.
Ah…
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Minha mãe, quando estiver cansada, dê uma volta e não pense em mim.